20 de dezembro de 2007

Un point de vue brésilien

Na contagem regressiva para o Natal, recebo um presente fino, de apelo irresistível: a tradução para o francês de extratos de uma entrevista que dei na época do lançamento da tradução de Semiótica do Discurso, de J. Fontanille.

Meu "cadeau de Noël" pode ser lido no blog francês de tradução Tribune Libre, no post de hoje, Un point de vue brésilien.

Merci, Lusina!

5 de dezembro de 2007

O lapso incontornável

Alguém que tenha ouvido Dalva de Oliveira Canta Boleros (Odeon, 1959) e O Encantamento do Bolero (Odeon, 1962) – de preferência em bolachões ligeiramente riscados, lidos por agulhas empoeiradas mas obedientes – sabe onde encontrar uma escola suficiente de sofrimento. Que dicção, que ardor!

Nos primeiros versos de "Lembra", durante muito tempo, ouvi erroneamente "Junto ao meu coração", o que me deixava sempre maravilhado. Eu imaginava que o coração de Dalva estava já na lama antes que ela mesma tivesse sido atirada. Era a decadência exterior, que encontrava a confessa degradação interior.

(Isso me lembra a história de L., que, por anos, na célebre canção de Maysa, ouvia "Ousa...", no lugar de "Ouça...".)

E se o deslumbramento do sujeito com o mundo, com a arte, não passasse afinal de um lapso incontornável encoberto pelo esquecimento?



LEMBRA
(Tito Climent)

Lembra, que tu me abandonaste,
Na lama me atiraste,
Junto o meu coração,
Lembra, o muito que implorava,
No tempo em que eu te amava,
E hoje pedes perdão.

Volta, vais sofrer teu castigo,
Não procures comigo,
O que já se acabou,
Chora, teu fracasso inconsciente,
Porque o amor dessa gente,
Dura como uma flor,
Lembra, que viverás sofrendo,
Que viverás morrendo,
Ao lembrar tua traição.

Chora, teu fracasso inconsciente,
Porque o amor dessa gente,
Dura como uma flor,
Lembra, que viverás sofrendo,
Que viverás morrendo,
Ao lembrar tua traição....

(Dalva de Oliveira Canta Boleros, Odeon, 1959)

30 de novembro de 2007

Le "cisco"

Voici la traduction que la talentueuse et généreuse C. L. a faite d'un de mes poèmes. Hier même j'ai relu les mails que nous avons échangés pour essayer de préciser le sens du mot "cisco" en portugais brésilien (la sensibilité verbale de C. me manque, il faut que je lui écrive pour lui expliquer ma disparition du Net !). Après beaucoup réfléchir à ce sujet, elle m'a présenté la version ci-dessous, qui me semble "définitive" :



GRAIN DE PERLE

La poussière de sable contient en soi son art
Un petit rien de nacre visqueux au toucher
Une cicatrice sableuse, informe, un grain
De coquillage, aspirant au martyre.

Aucun cou ne souffrirait ce régal
Sinon le cou rosé et velouté
Maître de l'ardeur, du frémissement
D'un porc joaillier né.


A PÉROLA EM CISCO ENCERRA TODA A SUA ARTE

A pérola em cisco encerra toda a sua arte
Nada de nácar viscoso ao toque
Cicatriz arenosa, informe, um grão
De concha aspirante a mártir

Nenhum colo conteria essa iguaria
Que não fosse róseo e aveludado
Dono do ardor, do frêmito
De um porco joalheiro nato.

Jean Cristtus Portela
Traduction de C. L.

27 de novembro de 2007

A existência ingênua

[Entre matéria e pensamento] o que preexiste a que?

Ah, sim, o que é anterior, ontologicamente anterior? Acho que o problema do caráter anterior e primitivo de um modo de existência em relação a outro não é fundamental. [...] O verdadeiro problema, tal como eu o entendo, é mais o seguinte: quando se discute a anterioridade ontológica do espírito e da matéria, será que não seria preciso sobretudo discutir a anterioridade ontológica relativa daquilo que eu chamaria existência ingênua e existência científica? A existência ingênua existe de fato no âmbito da realidade cotidiana. Somos objetos, falamos, temos uma idéia bem clara de que estamos em um universo que existe e que existimos, tanto nós como o universo, e que essa é uma forma, digamos, razoavelmente primitiva da existência. Então, surge a ciência que vem nos dizer: não, na verdade, esta escrivaninha é feita de átomos ligados uns aos outros por relações e por puro vazio. E, daí, aquilo que acreditamos que é cheio, não tem nada de cheio, é totalmente oco, há pouquíssimos elementos. Será preciso, então, crer que a realidade, como nos descreve a ciência, é mais fundamental que a realidade que vivemos cotidianamente? Esta última contém os dois ingredientes: a solidez da matéria e a evidência imediata do psiquismo. É mais nessa direção que eu entendo as coisas. Fico tentado a dizer que, para mim, é a realidade ingênua que é ontologicamente anterior à realidade científica. Esta é sempre construída, e sua existência vale o que valem as construções científicas: algo de extremamente revisável e temporário. Ao passo que, sobre a realidade imediata, temos todos razão em pensar que a concepção que temos de uma árvore ou de uma pedra não é tão diferente daquela que tinham nossos ancestrais do paleolítico”.

(Extraído de Prédire n’est pas expliquer: entretiens avec Emile Noël, de René Thom, Flammarion, 1993, p. 88-89. Tradução de J. C. P.)

24 de novembro de 2007

Púchkin por Pereleshin

Não me perguntem de onde Stephen Coote, organizador de The Pinguin Book of Homosexual Verse (Penguin, 1983), extraiu o poema abaixo. Não é preciso ser exatamente um grande conhecedor de Púchkin para saber que este é de fato um poema menor. Duvido mesmo que este poema seja dele, embora confie na tradução em língua inglesa de Valerii Pereleshin, poeta russo que morou durante anos no Brasil, onde chegou no começo da década de 50. Eis uma tradução livre e leve (apressada) do poema de Púchkin traduzido por Pereleshin:


Menino, terno e gentil menino,
Não te envergonhes, para sempre serás meu:
O mesmo fogo rebelde arde em nós
Vivemos uma só vida

Não temo o escárnio:
Para nós, dois se fez um,
Somos exatamente uma noz dupla
Sob uma casca única.

Sweet boy, gentle boy
Don't be ashamed, you are mine forever:
The same rebellious fire is in both of us,
We are living one life

I am not afraid of mockery:
Between us, the tow have become one,
We are precisely like a double nut
Under a single shell.

Aleksandr Púchkin (1799-1837)

Tradução em língua inglesa de Valerii Pereleshin (1913-1992)
Tradução brasileira de J. C. P

23 de novembro de 2007

O virtuosísmo de Desproges




Ó vertigem do roupeiro escancarado no alinhamento militar dos trapos incertos de aromas naftalínicos...


Ó vertigem do roupeiro escancarado no alinhamento militar dos trapos incertos de aromas naftalínicos...
Odeio cabides.
O cabide agride o homem. E por pura crueldade.
O cabide é o único objeto que agride o homem por pura crueldade.
O cabide é o lobo do homem.
Há objetos que agridem o homem pois essa é sua razão de ser.
Tomemos a porta... como exemplo! (Mas não a sua direção! Não vão embora! É só um jeito de dizer.)
Tomemos a porta como exemplo. Uma porta. Às vezes o homem toma uma portada na cara.
Ok.
Mas não há nisso a menor manifestação de ódio da parte da porta em relação ao homem.
O homem toma uma portada na cara porque é preciso que uma porta esteja aberta ou seja azul.
O cabide é naturalmente maldoso.
Pessoalmente, a idéia de ter que enfrentá-lo me é detestável.
Às vezes, no entanto, o confronto homem-cabide é inevitável. Algumas vezes, geralmente quando faz frio, a vontade de usar uma calça se torna irresistível.
O homem toma fôlego e também toma as duas portas do armário com as mãos.
Ele está sozinho. Nu. Ele é grande.
Sua postura é digna, diante do combate que sabe agora inevitável.
Seu peito é altivo. Suas pernas, ligeiramente arqueadas.
Seus pés nus, arco fincado ao solo.
Como um bombeiro diante do fogo, ele é belo em seu medo.
As portas do armário se abrem num só movimento. Os cabides estão lá, enroscados em seu puleiro na penumbra hostil.
Como uma fileira de vampiros atarracados no galho morto de um carvalho negro à espera silenciosa do potro desgarrado de flanco tenro no qual eles colarão seus focinhos imundos para drenar seu sangue claro por meio de lentas sucções gargarejadas e viscosas, até que a morte ache lugar.
No entanto, a atitude do homem não é ameaçadora. Simplesmente, ele quer sua calça.
A cinza, com pregas na frente e uma dobrinha embaixo.
O olho atento do homem localizou a calça cinza.
Ela é prisioneira do terceiro cabide da esquerda para direita.
É um cabide particularmente perigoso. Dissimulado. Ah. Ele não brinca em serviço.
Em madeira rosada, os ombros arcados, ele daria é pena.
Mas olhem bem seu gancho.
É uma mão de ferro.
Ela não largará sua presa.
O homem fica duro. Mais ainda seus músculos!
Avança um passinho macio de nada, para não despertar a atenção do inimigo.
É o momento decisivo.
Da eficácia do assalto que vai se seguir dependerá o resultado do combate. Com uma agilidade surpreendente para seu tamanho, o homem salta pra frente. Sua mão esquerda, rápida como um raio, afasta o cabide pendurado à esquerda do cabide rosa, enquanto sua mão direita se fecha impiedosamente sobre este último.
A reação do cabide é fulminante.
Ao invés de intensificar a pressão sobre a barra metálica, ele daí escapa bruscamente, arrastando em sua queda a calça, aquela cinza, com pregas na frente e dobrinha embaixo, a mesma que o homem quer naquela manhã porque.. porque sim.
No chão, o cabide rosa está ferido.
Nada é mais perigoso do que um cabide ferido.
Em seu inesquecível Vou cuspir em seus cabides, Ernest Hemingway não evita por fim tocar no assunto?
Um silêncio que consideraríamos longo, não?
O homem, nesse momento, está de joelhos no armário.
De sua garganta possante sobe um longo grito de guerra de homem dos roupeiros.
“Bagunça filha da puta, porra de cabide idiota do caralho!”
O cabide rosa sentiu a aflição do homem.
E vai sacrificá-lo.
Ele se enrosca em um outro cabide caído que se enrosca por sua vez na alça de uma mala.
Tudo está escuro.
À noite, todas as calças são pardas.
O homem, vencido, não oferece a menor resistência.
O nariz nas pantufas, soluça, na posição do fiel de Alá, a metade superior de seu corpo nu prisioneira do armário, a outra, oferecida ao olhar da emprega espanhola.
Ele sofre.
Algumas gotas de suor orvalham suas pálpebras.
Ele é pura humilhação, desespero e desgosto. Bolas de chumbo pendem de seu traseiro. Está com sede, frio, nem ódio mais tem.
Dê a ele ainda assim uma cueca”, meu pai diz.*
(Desce o pano)


Pierre Desproges (1939-1988)
Extraído de Textes de scène, Seuil, 1988, p. 76-80.

Tradução de Jean Cristtus Portela



* N.T.: Paródia do verso final de "Après la bataille", poema de Victor Hugo ( La Légende des siècles, XLIX, IV).

21 de novembro de 2007

Às cegas


"Jogar Go ou, ainda, xadrez não lhes ensina absolutamente nada sobre o caráter de seus adversários, observou certo dia o Mestre, referindo-se aos jogadores amadores. Buscar avaliar o caráter do adversário desvirtua completamente o espírito do jogo".

Yasunari Kawabata, Le Maître ou le tournoi de Go (Albin Michel, 1975, p. 72)

16 de novembro de 2007

Operações 47

Christopher Isherwood e W. H. Auden.




UM MODELO

são as bochechas melancólicas, amor
muitos deles têm: veja Auden

claras sentinelas do desgosto
flâmulas incômodas no rosto

alta testa, mãos grandes
certos gestos amplos

constante gentileza delatora
(logo eles, os que jamais caem)

ar expirado com desdém
desinteresse calculado, cor de pajem

pernas ao limite cruzadas
e horror (horror!) às armas

é fácil observá-los dourando
iscas indoutas com os olhos

lânguidos surtados, candor nos lábios
coreografando o gozo, prevendo o ato

experimentado em sonhos, sombras, frestas
afastando com o cabelo caudalosas trevas.


junho de 2002

de OPERAÇÕES (poema 47, inédito)

13 de novembro de 2007

Semiótica do discurso


No último domingo, dia 11 de novembro, saiu uma matéria no jornal BOM DIA sobre a minha tradução de Semiótica do Discurso, de Jacques Fontanille (Contexto, 2007). A entrevista abaixo, realizada por e-mail, serviu de base à matéria veiculada pelo jornal.



Respostas às questões de Júlio César Penariol – 30/10/2007


1) Quando começou sua paixão pela Semiótica?
Em meados de 97, no primeiro ano do curso de jornalismo da Unesp. Na época, já um pouco descrente do que o jornalismo poderia fazer (por mim, não pelos outros), eu via na Filosofia uma espécie de trato “amoroso” das idéias que me agradava muito. Da Filosofia para a Semiótica, eu só fiz deslocar ligeiramente meu interesse: ao invés de me ocupar diretamente do pensamento, eu passei a me perguntar quais seriam os símbolos que utilizamos para pensar, explicar, mostrar, enfim, viver. Quando passei a me interessar mais pela representação do pensamento do que por ele em si, eu já tinha entrado na seara semiótica sem saber.

2) Como definir para um leigo, em simples palavras, o que significa Semiótica e qual a importância dela para a nossa vida?
Primeiramente, gostaria de me servir de um elemento da sua pergunta para falar a respeito de uma idéia importante para a Semiótica: as palavras, imagens ou sons, jamais são “simples”. Isso não significa que sejam necessariamente “difíceis”, mas que, no fundo, por detrás da aparente simplicidade e naturalidade dos símbolos que utilizamos para representar a experiência cotidiana, há formas complexas, construídas e fixadas ao longo do tempo e que variam segundo a cultura de que tratamos. A Semiótica procura reconhecer e classificar essas formas, de modo que sejamos mais conscientes na sua utilização. A idéia é simples: se conhecermos o significado das placas de trânsito e atentarmos para a prescrição que elas contêm (“proibido estacionar”, “rua sem saída” etc), talvez não sejamos melhores motoristas, mas, ao menos, motoristas mais conscientes de nossos acertos e erros. Da mesma forma, a Semiótica, com seu estudo sobre as maneiras que o homem tem para se comunicar (palavras, gestos, traços, sons etc), pode nos dar mais consciência sobre nossos próprios atos e pensamentos e nos ajudar a compreender os dos outros.

3) Quando teve a idéia de traduzir o livro?
Embora haja no Brasil bons livros introdutórios sobre as várias Semióticas (a francesa, a americana e a russa, basicamente) tanto de autores estrangeiros quanto brasileiros, enquanto professor e pesquisador, eu sentia a necessidade de uma obra que tratasse da Semiótica francesa em comparação (ou combinação) com as demais Semióticas e que trouxesse algum ar fresco para a Semiótica que fazemos hoje no Brasil, que é tradicionalmente ligada à Semiótica dos anos 60 a 80, e que, com raras exceções, acaba não chegando aos debates semióticos mais recentes. Foi nesse contexto que me surgiu a idéia de traduzir “Semiótica do discurso”, uma obra editada pela primeira vez na França em 99 e desde então traduzida para o espanhol e para o inglês.

4) Você morou na França, não? Por quanto tempo?
Sim, morei na França entre 2005 e 2006, durante pouco mais de um ano, para realizar uma temporada de estudos na Universidade de Limoges, justamente sob a orientação do autor de “Semiótica do discurso”, Jacques Fontanille. Essa temporada de estudos, que na verdade foi um estágio doutoral ou doutorado “sanduíche” (pois é um doutorado realizado metade no país e metade no exterior) contou com o financiamento da CAPES, órgão do governo federal vinculado ao MEC que cuida do ensino superior no Brasil e que já financiava minha pesquisa de doutorado na Unesp de Araraquara.

5) Que qualidades precisa ter um tradutor?
Um tradutor precisa ser um sujeito curioso, desconfiado, criterioso e, sobretudo, responsável pelo material que traduz. Só assim é possível (ainda assim sem a certeza de conseguir) traduzir. Traduzimos todos os dias e para várias línguas e linguagens. Alguém pergunta: Que horas são? E lá vamos nós olhando os ponteiros ou dígitos do relógio e respondendo a sua tradução em português. Ou ainda: Mãe, o que é democracia? A pobre mãe, supostamente detentora de todas as respostas, segundo seu humor do momento, passa a dar ao filho uma explicação sobre a democracia, procurando traduzir, adequar, adaptar o conceito de democracia ao repertório do filho. Vemos que a responsabilidade, como eu dizia inicialmente, é fundamental no trabalho de tradução.

6) Como ser fiel às idéias do autor?
Como no casamento ou na amizade, a idéia de “fidelidade” em tradução é relativa (ou nem tanto, para alguns). Às vezes é preciso trair para ser fiel, daí talvez o provérbio italiano “tradutor, traidor”. Em outras ocasiões, ser literalmente fiel será a mais imperdoável traição. É preciso ser fiel, sim, às idéias e ao estilo do autor traduzido, mas é preciso ser fiel, sobretudo, à língua para qual se traduz. Há coisas que dizemos em francês que não podemos dizer em português (e vice-versa). Além de palavras e frases, há também idéias e "contextos" de difícil tradução. Por exemplo, em “Semiótica do discurso”, há dois exemplos que tratam sobre uma partida de rúgbi. Ora como falar em rúgbi no país do futebol? A partir dessa premissa, com a devida autorização do autor, “traduzi” o exemplo do rúgbi para uma partida de futebol, para procurar atingir em cheio o leitor brasileiro.

7) Precisa conhecer a vida dele, ou apenas suas obras?
Da mesma forma como não é preciso conhecer o histórico psiquiátrico de alguém para lhe fazer competentemente as unhas, não precisamos necessariamente conhecer a vida de um autor para traduzi-lo, embora informações subjetivas sobre seu estilo de vida possam ajudar na recuperação do seu tom na língua em que se traduz. Eis aí uma idéia tipicamente semiótica: existe uma lógica que rege o estilo de vida e o estilo de escrita de um autor. Não existe geração espontânea nem na vida e nem na escrita: todas as formas de representação seguem uma lógica, uma ordem mais ou menos estável. Resta descobrir qual é essa equivalência.

8) Que tipo de público leitor você imagina para este livro?
“Semiótica do discurso” não é exatamente um livro para o “grande público”, já que trata de temas que interessam principalmente a semioticistas (os que estudam Semiótica) ou a seus “primos”: comunicólogos, sociólogos, antropólogos, filósofos etc. No entanto, não é também um livro “impossível”, dirigido só ao “pequeno público”, já que é uma obra de caráter didático e, por isso, preocupada em explicar passo a passo os meandros da teoria e da prática da Semiótica.

9) Qual é o caminho burocrático para se fazer a tradução de uma obra?
O primeiro passo para traduzir uma obra é encontrar uma editora que queira ou aceite traduzi-la. No meu caso, apresentei meu projeto de tradução a diversas editoras e quem o acabou acolhendo foi a Contexto, editora que tem sido, cada vez mais, uma referência na área de Semiótica. Não basta querer traduzir, conhecer o autor, gostar do campo sobre o qual trata o texto traduzido. É preciso que as editoras dos dois países em questão se entendam em relação às questões de direito autoral, tiragem, duração do contrato etc. Só depois dessa fase superada e do contrato de tradução assinado, é que se começa a traduzir. Como todos os ramos de atividade, a tradução não escapa às regras de mercado.

10) A tradução de um livro é uma arte?
Eu acredito que sim, desde que partamos de uma definição de arte como técnica, como conjunto de procedimentos que alguém pode chegar a dominar com mais ou menos precisão. Da tradução de um livro de receitas à tradução de um manual de engenharia ou de uma obra religiosa ou literária, o tradutor sempre está diante do mesmo desafio: transpor o sentido dos textos em outros textos equivalentes. Se “fazer sentido” (falar, pensar, criar) pode ser uma arte sofisticada, não vejo por que “transpor sentido” não o seria também. Nesse sentido, traduzir é realmente uma arte e das mais sutis.


* * *

8 de novembro de 2007

Causalidade domesticada

Correio elegante para René Thom...


"A poesia é um jogo em que, sob uma realidade aparente, surge uma outra, insuspeita."
"La poesia és un joc on, sota una realitat aparent, hi apareix una altra d´insospitada."
J.B.


PAISAGEM

No cume da montanha mais
alta
un leão deitado estira a língua
e franze a testa.

Em Castela ainda não se soube
que o sistema feudal está em crise.


PAISATGE

Al cim de la muntanya més
alta
un lléo estirat treu la llengua
i arruga el front entre els ulls.

A Castella encara no s'han assabentat
que el sistema feudal està en crisi.


Joan Brossa (1919-1998)
Tradução de J.C.P.

7 de novembro de 2007

Confúcio passado

Em sua juventude – há que se ser jovem para procurar uma encrenca dessas – Confúcio dirigiu-se ao venerável Lao Tsé com o objetivo de conseguir palestrar longamente com o recluso e enigmático mestre do Tao Té Ching (O Livro do Perfeito Caminho). Isso se deu entre os anos 503 e 522 a.C., não se sabe ao certo.

O jovem Confúcio esteve com Lao Tsé durante uma tarde inteira, ouvindo-o com respeito, mas sem deixar de manifestar sua surpresa diante da postura inflexível de Lao Tsé.

O Velho, ao contrário de Confúcio, rejeitava a idéia de uma “evolução” certa do espírito. Na verdade, Lao Tsé rejeitava a idéia de uma doutrina, de uma escola de excelência que poderia “salvar” definitivamente a humanidade. Não que ele não acreditasse no Caminho ou que desprezasse o Céu, mas o fato é que o mestre do taoísmo era pessimista em relação à eficácia da comunicação e, sobretudo, da aprendizagem.

*

A caminho de Lu, o discípulo que acompanhava Confúcio, diante de seu silêncio absoluto que já durava três dias inteiros, perguntou-lhe o que se passava afinal.

O Grande Mestre de Cerimônias, rompeu o “silêncio de jade”, respondendo ao discípulo, em um discurso arrebatado:

“Acabo de ter com um homem cujos pensamentos, qual pássaros, ganham as alturas e a imensidão do azul. Quanto a mim, gosto de lançar meus pensamentos um a um, como dardos velozes e pontiagudos, que alcançam o alvo com destreza. Primo pela fidelidade de meus pensamentos, que, retilíneos e desembaraçados, alcançam sua presa.
Acabo de ter com um homem cujas idéias misteriosas e obscuras pairam sob a superfície de um abismo inacessível. Deleito-me com o fato de que minhas idéias possam ser fisgadas na ponta de um caniço e prazerosamente consumidas. Dos pássaros, sabemos que voam, é seu destino. Os peixes, sabemos todos, podem nadar. As bestas do campo, trotar. No entanto, sei muito bem que, convenientemente armado, posso capturar o que trota com uma armadilha; o que nada, com uma rede; o que voa, com uma flecha.
Quanto aos dragões, ignoro se voam solenes tempestade afora ou se cavalgam as nuvens do céu imenso. Contemplei Lao Tsé como alguém que vislumbra um dragão. Minhas idéias turvaram-se e fui privado de fôlego. Meu espírito, desgarrado, não soube mais onde achar repouso.”

(Resposta transcriada da admirável tradução brasileira de Múcio Porphyrio Ferreira)

6 de novembro de 2007

Dicionário das Idéias Feitas sobre as Ciências Humanas - F²

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Filosofia

A mãe de todas as ciências.
O gosto da sabedoria e a sabedoria do gosto.
Consome-se com e como café.
Encontra sua função na alcova ou no botequim.
Vã, barata, frágil, rasteira, mística.



Fodeu!

Não há nada que preste nesta bibliografia...
Epígrafes hematófagas!
Dados incompletos, análises inconsistentes, conclusões obtusas.
Fomos desmentidos pelas estatísticas.
Desmentimos as estatísticas.
As fontes secaram.
A cultura material é bibliodegradável.
Isso depende do crivo de leitura.

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26 de outubro de 2007

Dicionário - Verbetes C e H

DICIONÁRIO DAS IDÉIAS FEITAS SOBRE AS CIÊNCIAS HUMANAS*



DOUTRINADORES – Desprezá-los. Por quê? Não se sabe.
GUSTAVE FLAUBERT, Dictionnaire des idées reçues, 1880


Aposto que toda idéia pública, toda convenção tácita, é uma asneira, pois conveio a um grande número de pessoas.
CHAMFORD, Máximas – Epígrafe do
Dictionnaire

Toda unanimidade é burra. Quem pensa com a unanimidade não precisa pensar.
NERSÃO RODRIGUES



Ciências Humanas

Duvida-se de que sejam simplesmente “humanas”.
Grafar em maiúsculas é exagero.
Um apêndice das ciências exatas e biológicas.
Estão em crise.
Parasitas orçamentárias!
Estão perecendo à míngua.
Não servem para nada.
* * *



História


Única disciplina das ciências humanas digna de atenção, ao lado da Geografia e da Retórica.
É escrita pelos vencedores.
É escrita pelos perdedores que sabem escrever.
É a prova derradeira.
Os mais jovens a desconhecem.
Pode ser para boi dormir.
O ocaso da grande historiografia!
Morreu.
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_____________________
* Há tempos rascunho meu Dicionário. Que verbetes mais indicados para começá-lo do que "C" e "H"?

26 de maio de 2007

Um coroinha

Interrogado sobre suas afinidades literárias, Severo Sarduy (1937-1993) respondeu: “Eu sou um monge dessa religião chamada Lezama”.

Eu diria que sou, sem dúvida alguma, um coroinha indomado dessa seita laica chamada Sarduy.

Um dia desses, madrugada adentro, improvisei uma tradução que considero “correta” (ou “careta”?) de um de seus belos sonetos. Sem me ater à metrificação original, mas me pautando de perto pela imagem delineada no poema, cheguei a este resultado, nada definitivo, é claro, como verão a seguir:



LÚBRICO E LUZENTE, O ÊMBOLO

Lúbrico e luzente, o êmbolo
invade jubiloso a ranhura
e derrama sua branca queimadura
mais abrasante quanto mais lento.

Um cúmplice fugaz e disfarçado
saliva e experimenta a abertura
dilatada no volume e que sutura
sua própria lava. E no ovalado

mercúrio tangencial sobre o tapete
(a torre, lambuzada penetrando,
jorrando mel, saindo, entrando)

decifra o ideograma da sombra, cede:
o pensamento é ilusão: abrandando
vem aos poucos o inominável ente.


EL ÉMBOLO BRILLANTE Y ENGRASADO...

El émbolo brillante y engrasado
embiste jubiloso la ranura
y derrama su blanca quemadura
más abrasante cuanto más pausado.

Un testigo fugaz y disfrazado
ensaliva y escruta la abertura
que el volumen dilata y que sutura
su propia lava. Y en el ovalado

mercurio tangencial sobre la alfombra
(la torre, embadurnada penetrando,
chorreando de su miel, saliendo, entrando)

descifra el ideograma de la sombra:
el pensamiento es ilusión: templando
viene despacio la que no se nombra.



Severo Sarduy

Tradução de Jean Cristtus Portela

25 de maio de 2007

O jovem e seu preceptor

Este post é um "clin d'œil" ao poeta árabe de origem persa Abu-Nuwas (nascido em Ahwaz, morto em 810), o "homem de cabelos 'pendentes'", que fez uma ponta nas Mil e uma noites.

O conto a seguir, que tem ao menos mil anos, é uma adaptação de uma das histórias compiladas e traduzidas do árabe para o inglês por Sir Richard Burton.


O JOVEM E SEU PRECEPTOR

Conta a lenda que o vizir Badr al-Din, governante do Iêmen, tinha um jovem irmão cuja beleza era tão espantosa que, quando ele passava, homens e mulheres, querendo banhar seus olhos por um instante no charme que dele emanava, viravam-se e detinham-se para admirá-lo. O vizir, que temia que algo de inoportuno pudesse acontecer a tão adorável ser, mantinha-o longe dos olhares dos homens, impedindo-o de ter amigos da mesma idade. Não estando disposto a enviá-lo para a Escola Corânica como os demais meninos, onde ele não poderia ser suficientemente vigiado, pediu a um venerável e piedoso ancião, conhecido por sua conduta absolutamente casta, que assumisse o papel de seu preceptor, instalando-o em um quarto vizinho ao do pupilo.

Todos os dias, o respeitável ancião passava horas e mais horas com seu estudante. Não tardou para que a beleza e a sedução do jovem surtissem seu efeito costumeiro. Após algumas semanas, o velho homem foi acometido de uma paixão tão violenta pelo menino, que ele podia ouvir todos os pássaros de sua juventude cantando novamente em seu íntimo, e esse canto nele despertou algo que há muito tempo estava adormecido. Não sabendo como dominar seus sentimentos, o velho homem declarou-se ao jovem, dizendo que não poderia viver muito mais tempo longe dele.

“Ai de mim”, disse o jovem, profundamente tocado pelo sentimento de seu professor, “eu nada posso fazer, cada segundo de meu tempo é vigiado por meu irmão”. O velho homem suspirou e disse, “Como eu almejo passar uma noite sozinho ao teu lado!”. “Falas muito bem”, retorquiu o outro, “mas se meus dias são tão bem guardados, como imaginas serem minhas noites?”. “Eu bem sei”, disse o ancião, “mas minha varanda é vizinha a tua, enquanto teu irmão dorme, seria fácil passares pela janela de teu quarto para a varanda; então eu te ajudaria a escalar o muro para que entrasses. Lá estando, ninguém poderia nos ver”.

Tal idéia agradou ao jovem. Nessa mesma noite, ele fingiu estar dormindo, e, tão logo o vizir adormeceu, saltou a janela de seu quarto e ganhou a varanda, onde o velho homem esperava-o. O sábio pegou-o pela mão e, passando-o por cima do muro, conseguiu trazê-lo para dentro de sua própria varanda, onde bandejas de frutas e taças de vinhos transbordantes os aguardavam. Eles se sentaram em um tapete branco e, banhados pelo luar, começaram a beber e a cantar sob a inspiração da noite clara e da suave luz das estrelas que iluminavam o seu êxtase. Enquanto as horas assim maravilhosamente passavam, o vizir Badr al-Din despertou repentinamente e, como que tomado de um pressentimento, teve a idéia de ir ao quarto de seu jovem irmão, onde, atônito, não conseguiu encontrá-lo. Depois de procurar o jovem por todo o palácio, ele decidiu sair para a varanda e, aproximando-se do muro, viu seu irmão e o velho homem sentados lado a lado, erguendo ambos suas taças de vinho em um brinde extasiado.

Tamanha foi a sorte que tiveram: o velho sábio, percebendo a presença do vizir, agiu genialmente rápido. Ele interrompeu a canção que cantava e improvisou tão habilmente uma outra estrofe que a seu ritmo nada faltou. Tendo cantado:

Oh amado, tua boca molhou
Esta taça que agora é minha,
O ruge de tua face tornou
A cor do vinho esmaecida!

Na seqüência, improvisou:

Teu irmão nobre e respeitável,
Reprovar-me-ia duramente
Se eu chamasse a ti “adorável”,
Ser belo, sereno e excelente!

Ao ouvir tão delicada alusão, o vizir Badr al-Din, sendo homem discreto e galante, e vendo igualmente que nada de impróprio acontecia entre os dois, retirou-se, dizendo a si mesmo: “Assim como Alá vive, que eu não perturbe tal confraternização”. E a dupla pôde continuar a festejar em perfeita harmonia.

Tradução de J. C. P.

24 de maio de 2007

Aporia da Voz II (Uma resposta)

Caro E., sua interrogação sobre o tema que tentei abordar com minha descrição “fenomenológica” (para manter suas aspas) da voz é totalmente legítima.

Podemos considerar essa questão segundo duas hipóteses ou atitudes fundamentais: 1) O CANTOR emite a voz; 2) O voz é emitida NO cantor. Na primeira hipótese, o cantor é senhor de sua produção, "consciente” que é da inteligência que a elabora e do aparelho físico que a realiza. Na segunda, o cantor é "somente" o lugar, o receptáculo, o continente da produção, que lhe é exterior (exterior de seu interior), alheia (alhures), e ele ignora ou prefere ignorar o que se passa NELE.

Lembro-me, agora, vagamente, de Bola de Nieve (“Yo soy la canción que canto”) ou, ainda, de Maria Bethânia (“Não sou eu, é a Voz, é Deus...”), que encarnam, respectivamente, os dois modelos que descrevi acima.

Seja oriunda a voz do interior ou do exterior, a questão que você formula permanece incômoda: como mensurar e classificar os sentimentos do cantor em relação a sua própria voz?

(Se pensarmos que a voz, antes de ser material, é um “sentimento”, somos forçados a admitir que a fruição do cantor de sua própria voz é “metassensível”, é um sentimento ao quadrado. O que leva a crer que o sentimento do cantor, na medida em que usa seu canto como um plano de linguagem no qual ele elabora uma outra linguagem, é bem diferente daquele do ouvinte. O cantor sente e canta e, quando se ouve, sente algo sobre aquilo que sentiu no que cantou: é isso que classifiquei precariamente como fruição “metassensível”. De uma certa maneira, o pensador mais exigente pode alegar que todo o sentimento é sentimento de sentimento (o problema do valor do valor). Bom, nesse caso, eu diria que o “metassentir” do cantor é mais intenso que aquele do ouvinte.)

*

É nesse momento que penso, por exemplo, na última Billie Holiday, que, ainda SENDO a voz, não era, entretanto, mais habitada por ela. Embora a qualidade material da voz não pudesse mais se manifestar em Lady Day, quando ela abria a boca, havia ALGO que se desprendia de seu ser. Eu diria que esse algo é a memória da VOZ, a sua existência abstrata, esquemática. Não é à toa que, ao escutar Billie Holiday já decadente retomando “The end of a love affair” inúmeras vezes antes de atingir insatisfatoriamente a altura pretendida, não sabemos por qual voz decidir: a sensível ou a inteligível.


*

O cantor que houve a própria voz como se fosse de outro cantor encontra um correlato em Pessoa:

Brincava a criança
Com um carro de bois.
Sentiu-se brincado
E disse, eu sou dois !

Há um brincar
E há outro a saber,
Um vê-me a brincar
E outro vê-me a ver.

Acho que nenhum cantor está livre de ser dois, seja qual for a concepção que tenha de sua arte. O que me parece certo, é que, quando o artista SE emociona, ele o faz precisamente porque – consciente em menor ou maior grau de sua duplicidade perigosamente ambígua (o corpo e a voz, a voz DE e a voz NO etc) – ele se percebe UM.

Mas é claro que tudo o que eu disse não passa de especulação...

Grande abraço,

J.

23 de maio de 2007

A música magistrAL

Em 9 de maio, o elétrico e imaginativo Paulo de Toledo (P. ou P. de T, eu diria normalmente) enviou-me uma mensagem da qual, devido ao descaminho próprio a quem tem desnecessariamente mais de uma conta de e-mail, fui conhecer a existência apenas ontem.

Nela, o gentil amigo apresentou-me uma versão sua de “To a giraffe”, de Marianne Moore, cuja tradução fora postada por mim em 8 de maio.

Deliciado com a qualidade da resposta-tradução de P. à minha versão do poema de Marianne, resolvi postá-lo aqui, como justa homenagem à bem-sucedida empresa a qual se lançou o poeta santista: devolver ao poema originAL sua música magistrAL.

De poema em poema, de tradução em tradução, o Texto expande-se e reforma-se: eis o brinquedo eleito das criaturas críticas.



PARA UMA GIRAFA

Se é inadimissível, na verdade, fatal
ser pessoal e desejável

ser literal — ou mesmo prejudicial
se o olho não é inocente — quer dizer que

pode-se viver só com as folhinhas al-
cançáveis apenas ao bicho mais alto? —

do qual a girafa é o perfeito exemplo —
o animal infreqüentável.

Quando atormentada pelas coisas d’alma,
uma criatura pode ser intragável

isso poderia ser irresistível;
para ser precisa, excepcional

já que menos freqüentável
que certo emocionalmente inapto animal.

Afinal
o consolo da metafísica ocidental
pode ser profundo. A existência, em Homero,

é falha; a transcendência, condicional;
“o caminho do pecado à redenção: sem final.”


Marianne Moore (De “Tell me, tell me”, 1966)
Tradução de Paulo de Toledo

22 de maio de 2007

Faussement prometteur

Desde a primeira visita, o blog de Lusina já me havia fisgado. Tanto seu nome (bela e elegantemente programático: Lusopholie) quanto o texto que lhe introduz (“Pourquoi Lusopholie?") já são suficientes para que o leitor certifique-se da generosidade e da nobreza de seu trabalho: apresentar ao público de língua francesa a prosa, a poesia, enfim, as artes do mundo lusófono.

Apresento abaixo a excelente tradução que a talentosa Lusina fez de um de meus poemas, “Falsamente promissor”:


FAUSSEMENT PROMETTEUR

Une pensée qui se détache
pas un aveu - elle m'est venue solennellement.
Ni un don méritant qu'on s'y attache
ni même un jeu réclamant la réciprocité.

Une serviette partagée
pas non plus, même humide,
une dévotion manifeste ou une aveugle estime.

Bien qu'il y ait du détachement
Et un certain mérite à jeter sur soi
un tissu moelleux et tiède qui à l'instant
a fait le tour de sa chère poitrine, et couché
tous ses poils du même côté :

Motif faussement prometteur,
l'or d'un autre, la serviette-toison.


Mars 2007


Jean Cristtus Portela
Traduction de M. Lusina

*

ARS POETICA (para C. L.)


Lusina
Lume
Lima
Lasca
Límpida

21 de maio de 2007

Um muro, um fosso

Partindo do ponto de vista daquele que escreve, a descontinuidade que existe entre uma obra e outra – entre um poema e outro, para ser mais preciso – é algo que me fascina. Quando um poema acaba? Ou, ainda, quando um poema deixa de ser o mesmo poema e torna-se outro.

Fico pensando se não seria mais adequado tratar a descontinuidade de um poema a outro em termos de uma continuidade original, constitutiva.

O poema avança e suas imagens se desdobram... Então, literalmente, há a parada (temporal) e o fechamento (espacial), para empregar os termos caros a C. Zilberberg. A imagem cessa.

*

Partindo de uma questão extremamente prosaica, o grande Lezama Lima conseguiu esboçar uma proto-poética que ilustra bem o problema da parada:


"12. Como o senhor começou a escrever poesia?

Comecei a escrever poesia por volta dos meus 15 ou 16 anos. A Morte de Narciso, eu o escrevi aos 22 anos, foi publicado anos depois, mas é um poema que corresponde a minha adolescência. Eu sentia em mim, desde menino, algo muito peculiar que talvez chamaria poesia. Escutava as histórias que contavam minha avó, meus tios, minha mãe, e depois as entrelaçava com novos episódios meus. Assim, eu podia viver no passado, aproximá-lo do presente que nos rodeava. O mesmo me acontecia com as palavras, eu acabava por relacioná-las com fatos, acontecimentos pessoais ou históricos. Ouvia uma palavra, imediatamente me vinha sua imitação labial, depois, o ritmo respirante, o gesto do indicador ao traçar o contorno da palavra, a brisa que fazia cavalgar a sílaba, as cores que nomeavam a manhã ou se eternizavam na noite. Sempre que me vinha essa sucessão na infinitude, sabia que estava dentro da poesia. Mas num instante surge o muro, a ruptura das sucessões, é uma trégua, um aviso para o começo de outro poema."


(“Un cuestionario para José Lezama Lima”, de Salvador Bueno. In: Paradiso: edición crítica. Cintio Vitier (coordinador). 2. ed. Madrid; Paris; México; Buenos Aires; São Paulo; Rio de Janeiro; Lima: ALLCA XX, 1996. p. 730.)

*

Terminado um poema, estamos prontos – embora jamais certos de realmente conseguir – a passar a um outro. É a passagem da parada à parada da parada, à suspensão da suspensão, que resgata a continuidade. No caso da parada (“ruptura das sucessões”), para Lezama, é de um muro que se trata, de um limite, de uma força resistente.

Imagino que, no caso da parada da parada, somos projetados em um precipício, um abismo, um fosso: diferentes formas de nomear a vertigem.

20 de maio de 2007

Japonaiseries

Quando comecei, entre 99 e 2000, a interessar-me pela poesia japonesa, o que nela me chamou mais a atenção foi a evolução de sua metrificação e sua relação com a oralidade. O haikai (haiku), como se sabe, é a "cabeça", a primeira estrofe (hokku) de um longo poema popular encadeado (haikai-no-renga) no qual os motivos sazonais (kigo) são retomados em espirais vertiginosas, multiplicados em progressão geométrica, alcançando variações surpreendentemente sofisticadas. Essa forma encadeada (tributária do waka ou tanka), que deu origem ao concentrado e mínimo haikai, era, por vezes, extensa, prolixa e, portanto, repetitiva (o que no zen-budismo não é nenhum defeito). Não raro, poetas entravam em "transe", em furor poético, de tanto improvisar poemas incansavelmente em torno de um braseiro.

É curioso pensar que o haikai, este mínimo de nada, este capricho de contenção e concentração, tenha se originado como sedimentação, como decantação, da caudalosa poesia encadeada.

Para entender melhor como se dava esse jorro rítmico-temático que era o poema encadeado - talvez uma das únicas formas poéticas japonesas em que o conceito de eloqüência tem algum sentido -, decidi praticá-lo.

O magro resultado desse exercício é a série de poemas que segue, que reuni sob o título "Japonaiseries" (como as "japoneries" de Pierre Loti) ao final de meu Póstumas (Poemas - 1998-2000).



*


ARENGAS



I


a rã: cigarra de couro
radia na manhã -
caminho do aldeão.

fresta galho de sol
ergue a poeira morno.



um passo mais largo
resto de orvalho -
bolsos pesados.

surpresa: são pedras
as pontas de meus dedos.



rebelde a gota
só: moída pela chuva
fere meu degredo.

um canto em brasa -
cigarro da cigarra.





II



de vibrar serpenteia:
língua do sapo
na libélula.

raiz coberta de lama
ceia medular a seiva.



antenas clementes -
som de insetos -
lume delator.

um pé só calcanhar
atrás de meus netos.



céu varado -
ninho de cascavéis
serve o chão.

fresco o abrigo
sumo de guizos.

19 de maio de 2007

Issa revisitado

Organizando umas pastas antigas no micro, reencontrei Kobayashi Issa (1763-1827) – o que me encheu de ternura e saudade. Relendo e cotejando as traduções que fiz à época, é claro que me arrependi de certas coisas (como trocar “mochi” por "fumo", por exemplo), mas reconheci no conjunto um certo frescor, prova de que Issa sobrevive a toda sorte de adversidades.



esse nosso mundo –
do capim dali,
sai nosso fumo.

ora ga yo ya/ sokora no kusa mo/ mochi ni naru.



lua cheia –
aponta no oeste
o templo de Zenko.

meigetsu ya/ nishi ni mukaeba/ zenkōji.



o velho cão –
imagina ouvir
a moda das minhocas.

furu inu ya/ mimizu no uta ni/ kanji-gao.



mosca do chapéu,
hoje você já é
gente de Edo!

kasa no hae/ mo kyō kara wa/ edo mono zo.



pérolas de orvalho
em cada uma
vejo minha aldeia.

tsuyu no tama/ hitotsu hitotsu ni/ furusato ari.



em minha casa
os vagalumes se dão
com os ratos.

waga yado wa/ nezumi to naka no/ yoi hotaru.




cantam os insetos
e saltam sós
como nós.

mushi naku ya/ tobu ya tenden/ ware-ware ni.



montanhas da aldeia –
a lua cheia
até na sopa.

yamazato wa/ shiru no naka made/ meigetsu zo.



chuva de primavera –
seguindo a criança
o gato dança.

harusame ya/ neko ni odori wo/ oshieru ko.



lua cheia –
hoje até você
ocupada?

meigetsu ya/ kyō wa anata mo/ isogashiki.



uma lagarta caída
no inferno
das formigas.

ōkemushi/ ari no jigoku ni/ ochi ni keri.



ventos de outono
inquietam
o coração de Issa.

aki no kaze/ issa kokoro ni/ omou yō.



Tradução de Jean Cristtus Portela
Revisão de Chikako Tange, Sandra Shirahata e Tadashi Nakao



Fonte: PORTELA, Jean Cristtus. Issíada: Obra & desdobra de Kobayashi Issa. 2001. 60 f. Monografia (Trabalho de conclusão de curso) – Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação, Universidade Estadual Paulista, Bauru.

18 de maio de 2007

Balzac dos insetos

O entomologista francês Jean-Henri Fabre (1823-1915), autor de uma verdadeira Comédia Humana sobre os insetos, é praticamente desconhecido entre nós. A obra científica de Fabre já foi editada em uma dúzia de línguas, exceto em português. Sua poesia permanece praticamente inédita, sendo quase toda ela escrita em provençal (não, ele não é nenhum Arnaut Daniel).

Conheci Fabre por acaso, ao adquirir um volume de suas Memórias entomológicas em um sebo qualquer. Iniciada a leitura, não demorei muito a perceber que estava diante de um cronista de um fino senso de observação e de uma percepção insuportavelmente lúcida tanto do mundo dos insetos quando do mundo dos humanos. Não foi à toa que Jean-Henri Fabre teve, entre seus correspondentes e admiradores, Charles Darwin e John Stuart Mill, entre outros.

A humanização das personagens e pequenos dramas do mundo animal é um tema rico (vide Esopo, La Fontaine, George Orwell e... Walt Disney!). Basta assistir a cinco minutos das redes de televisão a cabo que exploram esse filão para ver que a picada inaugurada por Fabre vem sendo explorada incansavelmente – e com bem menos estilo.

Abaixo, minha tradução de uma passagem de “O louva-a-deus”, texto publicado originalmente em 1897, no quinto volume das Memórias entomológicas, e reeditado em 1949, na coletânea Cenas da vida dos insetos:

“[...] Devido a uma exceção da qual não se poderia suspeitar na classe herbívora dos Ortópteros, o louva-a-deus alimenta-se exclusivamente de presas vivas. Ele é o tigre das pacíficas populações entomológicas, o ogro à espreita que cobra seu tributo em carne fresca”.

“Exceto por seu instrumento letal, o louva-a-deus em nada inspira apreensão. Ele não carece nem mesmo de graça, com sua figura esguia, seu elegante corpete, sua coloração de um verde tenro, suas longas asas de gaze. Nada de mandíbulas ferozes, abertas como tesouras. Ao contrário, um focinho pontudo que parece ser feito para bicar. Com a ajuda de um pescoço flexível, bem separado do tórax, a cabeça pode girar, virar para a direita e para a esquerda, inclinar-se, erguer-se. Solitário entre os insetos, o louva-a-deus dirige seu olhar, inspeciona, examina. Ele tem quase uma fisionomia”.

17 de maio de 2007

Variações francesas (Qu’est-ce qu’il est chauvin!)

Para S. M., que ficaria puta lendo isso, mas que sabe que eu a (os) amo.


No Brasil - et un peu partout - fala-se muito do mau-humor do francês e de sua polidez, por vezes, ofensiva. De fato, para as almas delicadas e prestativas que são as nossas, curtidas no caldo colonial e nos seios fartos de povos despretensiosos e receptivos, o espírito francês não é dos mais acolhedores.

Sei que é bobagem endossar preconceitos culturais, mas, por vezes, sinto que existe algo na alma francesa que eu definiria mais ou menos assim: é como se os franceses não devessem nada a ninguém, tivessem sempre medo de perderem o pouco que têm e vissem os outros, necessariamente, quer como a continuidade de sua glória passada ou futura, quer como a certeza de seu ocaso. Embora “latinos”, talvez devido a sua estreita relação com a sensibilidade dos povos do Norte, os franceses, sobretudo do Limousin para cima, foram certamente influenciados pela disposição de espírito dos ingleses, holandeses e alemães, que, como sabemos, não criaram o Tango, nem o Samba e nem a Macarena.

Alguns acusarão, com razão, a minha injustiça: ele tenta classificar a sensibilidade das culturas através do grau de elasticidade e relaxamento dos quadris!

Não, as coisas não são tão simples. Na verdade, faço referência ao derramamento da tristeza, da nostalgia, à amplificação do estado amoroso, seja idealizado ou simples “bota pra foder”, que tão bem definem o Sul. Não se pode negar que os povos do Sul têm um acesso direto a seu corpo e que isso produziu um saber outro no âmbito da cultura. Eu chamaria esse saber de “sabedoria do vivente” e o oporia à “sabedoria do sobrevivente”. Bom, paro por aqui a “avaliação de conjunto” que ensaiei, sem pretensão alguma de aprofundar este olhar sociológico zarolho sobre um tema do qual já se disse muito desde que os gringos aprenderam a boiar e a remar longas distâncias.

*

Sem sacanagem alguma, se eu não soubesse que Billie Holiday estava se referindo na frase abaixo a uma clínica de desintoxicação, eu pensaria que ela estava fazendo alusão direta à vida universitária francesa ou, mais particularmente, a uma “equipe de pesquisa”:

“Se soubesse qual era o tipo de ‘tratamento’ que eles iriam me dar em Alderson, teria me tratado sozinha – era só me trancar num quarto e jogar a chave fora”.

(“Lady sings the blues: uma autobiografia”, de Billie Holiday, com a colaboração de William Dufty. Tradução de Luiz Antônio Sampaio Chagas. São Paulo: Brasiliense, 1985. p. 139)

*

Para meu completo horror, já ouvi um francês dizendo que os brasileiros, "bajuladores e interesseiros", pensam que eles são “vacas leiteiras”. Não é que eu vá cometer a injustiça de julgar todos os franceses por esse comentário, mas, para dizer a verdade, isso é bem sintomático da parte de alguns franceses: achar que todo mundo quer se esbaldar no seu leite e tomar providências expressas para que de seus mirrados úberes não tombe sequer uma gotinha peregrina.
*
A imagem daquele que mama gaiatamente à saciedade onde pode, quando discutida à luz do imaginário que (ainda) sustentamos a respeito dos franceses, é paradoxal e deliciosamente sacana e infantil: eles falam francês e nós fazemos "biquinho". E essa imagem do "biquinho", para mim, é o correlato preciso de Grande Otelo virado Macunaíma, o bebê grande e preguiçoso.

16 de maio de 2007

Um texto de Naje

Abaixo, em tradução apressada, o fruto de uma aquisição recente: a reedição de uma obra de P. C. Naje (1917-1992). Embora um pouco carregado, eis um estilo pelo qual não deixo de manifestar certa atração:


“Tidos indevidamente por misantropos, os eremitas, os solitários intransigentes, os aficionados do ostracismo e do recolhimento, tiveram sua misantropia passiva e, em muitos casos, benigna, condenada por todos os chamados ‘analistas comportamentais’. É tempo de reparar o lamentável erro que consistiu em excluir do campo de observação das ciências 'potencialmente' comportamentais – da Antropologia Social à Sociologia do indivíduo e à Psicologia – esta classe de misantropos atuantes e nocivos, que é a classe das pessoas sociáveis. Até o momento, os brasileiros de S. B. de Hollanda [sic] encontram-se praticamente solitários na galeria dos homens obscuramente cordiais”.

Introdução de “La naissance de l'Antisocial” (1991), de P. C. Naje.

15 de maio de 2007

Perec en deux temps

Le roman "Les Revenentes" (1972) - oui, ça s’écrit comme ça, histoire de faire chier les puristes - est parmi les lipogrammes les plus connus de Perec. En voilà mon passage préféré:

« C’est le réel. Le spleen me prend et me berce. Je rêve de mes terres d’Ellesmere. Ses mers et ses grèves, et les pétrels, et les tempêtes. Se déprendre ! Être en mes terres ! Et cette netteté céleste que l’éther reflète, et le grès des crêtes et le blé des prés ensemencés dès septembre ! Et les terres émergées des Égéens et les temples d’Éphèse ! Thélème clémente : reprendre Sceve et Stern, et Mersenne, et Wegener!… »
(G. PEREC, Romans et Récits, Le Livre de Poche, Paris, 2002, p. 578)
* * *

De fait, présenter une traduction du fragment ci-dessus, ce n'est pas une mince affaire. Faute de le faire, je vous présente ici un petit extrait d'un texte que j'ai fait sous l'influence de Perec. J'ai choisi le lipogramme en "a", qui est sans nul doute la contrainte correspondant en portugais au choix de la voyelle "e" en français.

NADA PASSA (fragment)
“Nada passa...”, ralha a canalha amarga! Cada palavra, tacanha arma: bala alada, adaga clara, tara casta. Tamanha a arca: palha alva, cascas da Carta Magna, lama da vaga da mata, carcaças nacaradas, a chama da sarna! Ah, a canalha traz para a trama a nata da safra: “Nada passa”.
.
.
.
(Un petit clin d'œil à mes amis lusophones: eis meu primeiro e derradeiro lipograma em "a". O trecho não é uma tradução, mas é invejado de Perec, é claro).

14 de maio de 2007

Aporia da Voz

E. não suporta a voz de M., de quem tampouco sente completa aversão. Simplesmente ela não gosta de ouvir essa voz e não consegue conviver muito tempo com M., que, é claro, ignora esse "segredo".

Isso me faz pensar sempre no quanto a voz é importante no que chamamos filosófica, semiótica e vulgarmente “Presença”. E também no quanto o som é palpável, concreto: ele se manifesta por e em nós. Até aí nada demais: só exponho empiricamente o que já muitos ensaístas, poetas e cientistas constataram.

O que me preocupa, afinal, é a primazia do corpo na concepção do Som. E, mais importante, a primazia do Som sobre o corpo, em detrimento do pensamento, da Idéia. Um som pode estourar uma membrana, um copo, fazer doer um dente. Nesses casos, vê-se que é bem do corpo, da carne da nossa existência, de que se trata.

A cantora francesa Barbara teoriza a sua experiência (e que experiência e sensibilidade!) em uma passagem de sua autobiografia. Para ela, a voz é a sintonia fina da Presença humana e sua simétrica representação:

“A voz é um barômetro de uma extrema exatidão. Quantas vezes, diante de uma mudança até mesmo ínfima e quase imperceptível de seus timbres de voz, não pude notar o estado físico ou moral deste ou daquele amigo! Todos nós conhecemos timbres de voz que nos são insuportáveis, às vezes de forma até repulsiva. Conhecemos, do mesmo modo, o poder de certos agitadores ou oradores políticos de sinistra memória, de quem guardamos os sotaques arquivados em nossos tímpanos.” (Bárbara, Il était un piano noir… : mémoires interrompus, Fayard, 1998.)
*

Sim, a voz define o fulgor da Presença. Por outro lado, a inteligência humana é capaz de emular, reproduzir, qualquer voz: a voz não é somente arte do corpo, mas também da “memória”, que lhe fornece a matriz esquemática e abstrata, o padrão intensivo de sua extensão.

A partir dessa constatação, estamos prontos a ganhar o domínio de uma nova aporia: a Memória...

13 de maio de 2007

A PARTE DAS MIGALHAS

Sei... Depois de mim, as migalhas!
Criada de Madame de Pompadour, Séc. XVIII



Tão sorrateiramente quanto a ocasião me permite, sou daqueles que batem a toalha para fora da sacada.

Antes, é claro, verifico com displicência culposa se na toalha há outra coisa que migalhas. Um guardanapo, um isqueiro, uma caneta? Perda lastimável. O saleiro, um talher? Assassínio!

Nos segundos que seguem ao arrastão que faz da toalha uma trouxa, ainda tento, lançando mão de minha habilidade de prestidigitador incrédulo, nela sondar qualquer coisa mais saliente que uma migalha. Não raro, aperto com zelo a toalha contra o peito (talvez seja sua última viagem), tateando a trouxa indecente e transbordante. Se a trouxa compacta-se sem oferecer resistência, a sorte está lançada.

Se já é noite, dependendo da intensidade da luz, posso ver dezenas ou centenas de migalhas de vários tamanhos em seu último salto. Chacoalho a toalha duas ou três vezes, a última deve produzir um som grave e abrupto de pano de toureiro, garantia de que a violência do gesto foi suficiente para desprender mesmo as migalhas microscópicas ou (completo horror!) as migalhas úmidas. Caso a operação obtenha sucesso, mais do que migalhas, nesse vôo livre embarcarão também alguns fiapos.

Mesmo sabendo que, muito provavelmente, as migalhas de minha mesa acharão morada no chão da sacada de um ou vários de meus remotos e anônimos vizinhos verticais, continuo impune e friamente a bater toalhas.

Confesso: após o ato final, sempre há um momento, na hora em que deito a toalha isenta e esvoaçante sobre a mesa – que deverá acomodar-se em um só lance, comprovando minha destreza para certas manobras cotidianas cuja dificuldade é por muitos ignorada –, em que uma chuva de migalhas invade a minha imaginação.

Nessa visão, vindas de cima, dos ares, as migalhas jorram de um coro de dez toalhas implacavelmente orquestradas. Segundo o vento e a força com a qual foram lançadas, algumas delas terminarão, é certo, no chão de minha sacada.

Bater toalhas. Comunhão e generosidade. Amoralidade e resignação.

11 de maio de 2007

Contra o fetiche da poesia

Contra o fetiche da poesia, Pattje-Russerl, poeta apátrida exilado nos EUA, contemporâneo de Joseph Brodsky, lança afiadas farpas*. Eis um trecho de uma entrevista sua, traduzida no calor da polêmica:

"Embora tenha suas raízes na palavra cantada, 'declamada', a poesia é uma forma jovem, e isso em vários sentidos. Atualmente, a forma poética é para mim uma forma arrogante demais. A poesia, ou se você preferir, o poema, não tem mais na minha obra a mesma importância. Com o passar do tempo, cheguei à conclusão de que eu deveria ter vinte anos menos ou, no mínimo, ser mais otimista ou pretensioso para continuar acreditando que uma massa sonora qualquer, que poucas linhas distribuídas de uma forma improvável, devem, a priori, ser reverentemente chamadas ‘poesia’, ‘poema’. O drama essencial da linguagem ou, se você preferir, o conteúdo último da nossa maneira de ser no mundo, o significado que mais tememos ou prezamos, não foi e não está fixado por gênero literário algum”.

Antoïc Pattje-Russerl (1925-1986)
"A interview about the foundations of poetry" (1983)
.
.
.
*Esse pequeno fragmento, quando publicado por mim em Tal a Fuga I, foi tido por E. como excessivamente pessimista e "absolutamente escandaloso" .

10 de maio de 2007

Pourrrrr de ne pas vivrrrre seul

Quem, de fato, é fã de Dalida é M., que sempre me apresenta uma pequena jóia de sotaque e ternura de sua diva.

No final de 2005, vivendo meus primeiros dias entre os gauleses, senti-me só como há muito não me encontrava. Marinheiro de muitas viagens solitárias – solitárias, sim, ainda que se lançassem homens ao mar, tamanha a densidade demográfica da embarcação – encontrei-me mais só do que eu mesmo poderia supor: todos os brinquedos para mim tornaram-se velhos e nem mesmo eu me era um brinquedo.

Foi nesse humor impuro que traduzi a canção “Pour ne pas vivre seul”, interpretada por Dalida em 1972.

Por incrível que pareça, minha tradução foi feita para ser cantada ou, ao menos, para que se tente fazê-lo. Outro dia sonhei que era Bethânia que a cantava em português. Pensando bem, a figura era gorda demais para ser Bethânia. Não, não era Bethânia.

Como sempre, pesei a “mão que traduz o verso” aqui e ali (“penduram-se em vitrais” para “s’accrochent à une étoile” ou a alternância entre “só” e “sós”, por exemplo), mas o leitor há certamente de me perdoar todos os abusos.

No YouTube, podem-se encontrar duas ou três versões dessa canção. Eis a minha preferida.



PARA NÃO VIVER SÓ
(S. Balasko/D.Faure)

Para não viver sós
Vivemos com um cachorro
Até mesmo com rosas
Ou com uma cruz
Para não viver sós
Fazemos cinema, amamos lembranças
Uma sombra, um tema
Para não viver sós
Vivemos para a primavera e quando a primavera morre
Para a próxima primavera
Para não viver só
Te amo, te espero, para ter a ilusão
De não viver só, de não viver só

Para não viver sós, garotas amam garotas
E vemos rapazes desposar rapazes
Para não viver sós
Alguns têm crianças, crianças que são sós
Como todas as crianças
Para não viver sós
Fazemos catedrais nas quais os que são sós
Penduram-se em vitrais
Para não viver só
Te amo, te espero, para ter a ilusão
De não viver só, de não viver só

Para não viver sós, fazemos amigos
E os reunimos nas noites de tédio
Vivemos por dinheiro, sonhos, mansões
Mas nunca fizemos um caixão pra dois
Para não viver só
Eu vivo contigo, eu sou só contigo, você é só comigo
Para não viver sós
Vivemos como os que se dão a ilusão
De não viver sós.



POUR NE PAS VIVRE SEUL
(S. Balasko/D.Faure)

Pour ne pas vivre seul
On vit avec un chien
On vie avec des roses
Ou avec une croix
Pour ne pas vivre seul
On s'fait du cinéma, on aime un souvenir
Une ombre, n'importe quoi
Pour ne pas vivre seul
On vit pour le printemps et quand le printemps meurt
Pour le prochain printemps
Pour ne pas vivre seul
Je t'aime et je t'attends pour avoir l'illusion
De ne pas vivre seule, de ne pas vivre seule

Pour ne pas vivre seul, des filles aiment des filles
Et l'on voit des garçons épouser des garçons
Pour ne pas vivre seul
D'autres font des enfants, des enfants qui sont seuls
Comme tous les enfants
Pour ne pas vivre seul
On fait des cathédrales où tous ceux qui sont seuls
S'accrochent à une étoile
Pour ne pas vivre seul
Je t'aime et je t'attends pour avoir l'illusion
De ne pas vivre seule

Pour ne pas vivre seul, on se fait des amis
Et on les réunit quand viennent les soirs d'ennui
On vit pour son argent, ses rêves, ses palaces
Mais on a jamais fait un cercueil à deux places
Pour ne pas vivre seul
Moi je vis avec toi, je suis seule avec toi, tu es seul avec moi
Pour ne pas vivre seul
On vit comme ceux qui veulent se donner l'illusion
De ne pas vivre seuls.

9 de maio de 2007

À quoi ça sert l'amour?

Ontem, no GNT, Astrid Fontenelle e Marília Gabriela falavam, discreta e rapidamente, é claro, sobre seu gosto pela juventude.

Como a entrevista com Astrid, para mim, a despeito dos esforços de Marília Gabriela, não parecia render muito mais que isso, fui transportado a uma cena que obviamente não presenciei, mas que daria meu exemplar autografado de Gabriela Mistral para tê-la presenciado.

Como eu queria ter estado lá, em um canto do bureau que partilhavam Edith Piaf (1915-1963) e seu secretário-marido Théo Sarapo (Théophanis Lamboukas, 1936-1970), quando ambos trocaram o primeiro beijo. Que chavão imaginativo saboroso! Tremo só de evocá-lo! Amo a história da mosquinha bisbilhoteira. Só não gosto quando ela é esmagada.

Eu imagino a carinha amassada da Edith iluminada pelo vigor cacarejante de Théo, tal qual se pode ver em uma gravação histórica para a TV, que data de 62, quando cantaram juntos a irresistível "À quoi ça sert l'amour", de Michel Emer.

Edith, com seus 47 anos em fiapos, e Théo, 28 testosterônicos anos incompletos, protagonizaram um encontro tão improvável quanto surpreendente.

(A primeira versão da gravação, que não foi ao ar, trazia Edith par terre, agarrada à perna esquerda de Théo enquanto uivava a última estrofe da canção. Essa versão perdeu-se juntamente com a prova de que Jean Cocteau morreu ou começou a morrer no instante em que soube que Edith morrera. O secretário particular de Cocteau, então com 12 anos e meio contados a partir da gestação, jamais confirmaria o fato, atendendo ao pedido de Jean Marais.)

Na falta de apresentar aqui exatamente o vídeo do encontro memorável a que faço alusão - que inclui o lava-pés imaginário -, apresento a letra da canção e, em seu título, um link para uma versão do dueto no YouTube.



A QUOI ÇA SERT L'AMOUR
(Michel Emer, 1962)

A quoi ça sert l'amour ?
On raconte toujours
Des histoires insensées.
A quoi ça sert d'aimer ?

L'amour ne s'explique pas !
C'est une chose comme ça,
Qui vient on ne sait d'où
Et vous prend tout à coup.

Moi, j'ai entendu dire
Que l'amour fait souffrir,
Que l'amour fait pleurer.
A quoi ça sert d'aimer ?

L'amour ça sert à quoi ?
A nous donner d' la joie
Avec des larmes aux yeux...
C'est triste et merveilleux !

Pourtant on dit souvent
Que l'amour est décevant,
Qu'il y en a un sur deux
Qui n'est jamais heureux...

Même quand on l'a perdu,
L'amour qu'on a connu
Vous laisse un goùt de miel.
L'amour c'est éternel !

Tout ça, c'est très joli,
Mais quand tout est fini,
Il ne vous reste rien
Qu'un immense chagrin...

Tout ce qui maintenant
Te semble déchirant,
Demain, sera pour toi
Un souvenir de joie !

En somme, si j'ai compris,
Sans amour dans la vie,
Sans ses joies, ses chagrins,
On a vécu pour rien ?

Mais oui ! Regarde-moi !
A chaque fois j'y crois
Et j'y croirai toujours...
Ça sert à ça, l'amour !
Mais toi, t'es le dernier,
Mais toi, t'es le premier !
Avant toi, 'y avait rien,
Avec toi je suis bien !
C'est toi que je voulais,
C'est toi qu'il me fallait !
Toi qui j'aimerai toujours...
Ça sert à ça, l'amour !...

8 de maio de 2007

Marianne Moore

Há alguns anos, solitária ou conjuntamente, E. e eu temos traduzido alguns poemas de Marianne Moore & Cia (Williams, Pound etc). Semana passada, escandalizado com a pobreza de uma tradução de Moore publicada na única coletânea de poemas seus disponível no Brasil, felizmente já esgotada, decidi fazer a tradução abaixo que, se não é muito sonora (o que E. chama de quase-prosa, sonoridade "low profile") ao menos é legível (no limite, "didática").

O leitor atento, que resolver recorrer ao texto original apresentado abaixo, perceberá que evitei manter as rimas em "al" que Marianne Moore semeou por todo o poema. Procurar restituir esse recurso em português com propriedade consiste em um desafio inglório, que não achei prudente perseguir.

(Infelizmente, por conta das limitações técnicas do Blogger, não pude restituir a disposição exata do poema, que tem suas duas estrofes conclusivas alinhadas um pouco mais à direita.)



PARA UMA GIRAFA

Se é inaceitável, na verdade, mortífero
ser pessoal e indesejável

ser literal — ou até mesmo nocivo
se o olho não é inocente — quer dizer que

alguém pode viver só com as folhinhas do topo
acessíveis só ao bicho mais alto? —

do qual a girafa é o exemplo mais vivo —
o animal infreqüentável.

Quando tem assolado seu espírito,
uma criatura pode ser intragável

isso seria irresistível;
para ser precisa, excepcional

já que menos freqüentável
que certo animal emocionalmente inapto.

Por fim,
o consolo da metafísica
pode ser profundo. A existência, em Homero,

é falha; a transcendência, condicional;
“o caminho do pecado à redenção, eterno.”


Marianne Moore

(De “Tell me, tell me”, 1966)

Tradução de Jean Cristtus Portela



TO A GIRAFFE

If it is unpermissible, in fact fatal
to be personal and desirable

to be literal — detrimental as well
if the eye is not innocent — does it mean that

one can live only on top leaves that are small
reachable only by a beast that is tall? —

of which the giraffe is the best example —
the unconversational animal.

When plagued by the psychological,
a creature can be unbearable

that could have been irresistible;
or to be exact, exceptional

since less conversational
than some emotionally-tied-in-knots animal.

After all
consolations of the metaphysical
can be profound. In Homer, existence

is flawed; transcendence, conditional;
“the journey from sin to redemption, perpetual.”

7 de maio de 2007

Um mascate

"Um mascate", escrito no começo de 2003, é um dos meus textos "preferidos" (fico pensando se um artíficie tem mesmo direito a um tal rasgo de vontade). Em circunstâncias que não valem o esforço de explicitá-las, vim a traduzi-lo para o francês há alguns meses.

Citar-se nos próprios textos, traduzir os próprios textos... A torrente morna e acolhedora do narcisismo! Negá-la ou evitá-la seria incorrer na cilada escandalosa da falsa modéstia. La honte!



UM MASCATE

Um talento mínimo
o ofício exigia
("the age demanded",
segundo o véio ezra)

Talento de piloto automático
laranja epistemólogo, útil otário.
À ciência imolar cem vidas
um boi por bibliografia.

Cada hecatombe, uma teoria tímida
consagrada à histeria da pesquisa.

Em trânsito incerto, chega-lhe a preguiça:
sacoleiro bibliopata, mascate da ciência.

2003


COMMIS VOYAGEUR DE LA SCIENCE

Un talent mineur
Son métier demandait
(« The age demanded »,
D'après Ezra, le vieux)

Talent d'un pilot automatique
Pieux épistémologue, crétin utile
A la science il immolait cent âmes
Un boeuf par bibliographie

A chaque hécatombe, une théorie vierge
Consacrée à l'hystérie de la recherche

Juste deux pages, le voilà proie
De la paresse, ce camelot bibliopathe
Commis voyageur de la Science.


2007

6 de maio de 2007

Idos de 2007

Na vigília da véspera, quase lá, tomo em tradução a Konstantinos Kaváfis o mote dos meus vinte e nove anos:


IDOS DE 1901

Havia nele algo de notável
que a despeito da devassidão de seus hábitos
e de sua grande experiência no amor,
apesar da correspondência que se podia observar
entre a sua idade e o comportamento que adotava,
havia momentos - ainda que bem raros,
para falar a verdade - em que dava a impressão
de ter ainda a carne praticamente intocada.

A beleza de seus vinte e nove anos,
tão experimentada no prazer,
por momentos lembrava estranhamente
um adolescente que - com uma espécie de inaptidão - entrega
pela primeira vez seu corpo casto ao amor.

1927

(J. C. P.)


JOURS DE 1901

Il y avait chez lui ceci de particulier
qu’en dépit de la dissolution de ses mœurs
et de sa grande expérience de l’amour,
malgré la correspondance qu’on pouvait observer
entre son âge et le comportement qu’il adoptait,
arrivaient des moments - bien qu’à vrai dire
extrêmement rares - où l’impression qu’il donnait
était celle d’une chair pratiquement intacte.

La beauté de ses vingt-neuf ans,
si éprouvée par le plaisir,
il y avait des moments ou elle rappelait étrangement
un adolescent qui - avec une sorte de maladresse - livre
pour la première fois son corps chaste à l’amour.

(Constantin Cavafis, En attendant les barbares et autres poèmes. Traduit du grec et présenté par Dominique Grandmont, Gallimard, 2003, p. 194)


ΜΕΡΕΣ ΤΟΥ 1901

Τούτο εις αυτόν υπήρχε το ξεχωριστό,
που μέσα σ’ όλην του την έκλυσι
και την πολλήν του πείραν έρωτος,
παρ’ όλην την συνειθισμένη του
στάσεως και ηλικίας εναρμόνισιν,
ετύχαιναν στιγμές — πλην βέβαια
σπανιότατες — που την εντύπωσιν
έδιδε σάρκας σχεδόν άθικτης.

Των είκοσι εννιά του χρόνων η εμορφιά,
η τόσο από την ηδονή δοκιμασμένη,
ήταν στιγμές που θύμιζε παράδοξα
έφηβο που —κάπως αδέξια— στην αγάπη
πρώτη φορά το αγνό του σώμα παραδίδει.

(Από τα Ποιήματα 1897-1933, Ίκαρος 1984)

29 de março de 2007

Confucianas

I

Dizem que ao comentar a blasfêmia "Não passais de punheteiros!", proferida pelo impudico Kâo, Mêncio, discípulo de Confúcio, disse: "Por que uma tal acusação recai sobre os ombros de um homem? Porque pratica pouco algo de que gosta muito? Porque pratica muito algo de que gosta pouco? Porque não pratica algo? Porque só pratica esse algo? O que é certo é que tal homem não parece ser tido como um homem superior".

II

Disse Mêncio: "Há aqui um homem que quebra o teu telhado e desenha aberrações em tuas paredes. Seu propósito pode ser o de ganhar a vida com isso... Mas tu irás remunerá-lo?". "Não", disse Kang. Mêncio, por sua vez, concluiu: "Nesse caso não é a intenção que remuneras, mas, sim, a obra realizada".

27 de março de 2007

FALSAMENTE PROMISSOR

Um inédito... ou melhor, mais um inédito, como todos os outros.


FALSAMENTE PROMISSOR

Pensamento que se desprende
não é confissão – veio-me solenemente.
Não é dom que mereça apego
nem jogo que reclame reciprocidade.

Uma toalha compartilhada
tampouco, mesmo úmida,
manifesta devoção ou cego apreço.

Embora haja desprendimento
Um certo mérito em jogar sobre si
o pano espesso e morno que há instantes
contornou o peito caro e vergou
seus pêlos de um só lado:

Falsamente promissor motivo,
ouro de outro, a toalha-velocino.



março de 2007

19 de março de 2007

A primazia da prosa

.
.
.
SENHOR JOURDAIN - E sobre a maneira como falamos? O que vem a ser isso?
PROFESSOR DE FILOSOFIA - É prosa.
SENHOR JOURDAIN - Sério? Quando eu digo: "Nicole, traga-me minhas chinelas e dê-me minha toca", isso é prosa?
PROFESSOR DE FILOSOFIA - Sim, senhor.
SENHOR JOURDAIN - Palavra de honra, eu faço prosa há mais de quarenta anos sem que disso me desse conta...
.
.
.

(O Burguês Fidalgo, Molière, 1670)

8 de março de 2007

Um porre

E pensar que estas duas linhas custaram-me boas horas de trabalho. Les revenentes de Perec é um porre - que eu tomo de bom grado...:



"Qal Cabras atarantadas, safra d’Astras laranja, lacradas a napa tramada (garza rajada?), ganham a Tampa Hall , param na Tamara’s Fall, avançam atrás da...".

"Telles des chèvres en détresse, sept Mercédès-Benz vertes, les fenêtres crêpées de reps grège, descendent lentement West End Street et prennent sénestrement Temple Street vers les...".

3 de março de 2007

Conversations avec Jacques Fontanille


Les habitués de mon blog savent bien que je n'ai pas la mauvaise habitude d'apporter du travail à la maison, sauf pour les occasions spéciales...


Le numéro en ligne de la revue brésilienne ALFA - Revista de Lingüística, 50 (1), 2006, vient de paraître.

Parmi les articles de ce numéro d'ALFA, vous trouverez le texte "Conversations avec Jacques Fontanille", une interview que j'ai réalisée avec le sémioticien français l'été 2006.

Cela me ferait plaisir de recevoir vos commentaires sur ces conversations.

Je vous en souhaite une très bonne lecture!

2 de março de 2007

Um poema de P. C. Naje

Mais genial o prosador, menor sua poesia. Quando leio Naje, hesito entre o prazer e o horror. Ponho-me a pensar o quanto são belos os poemas genuína e verdadeiramente mal concebidos.


VISÕES

Cingido pelo inesperado, vi-me presa
Do destino, um mestre relapso.

Visão-cornucópia. Poeira perfilada?
Dessas visões que só vemos nenhuma vez (1).


P.C. Naje (1917-1992)
Tradução de Jean Cristtus Portela



(1) O original francês torna esse absurdo mais impressionante: "Ces visions que l'on ne voit qu'aucune fois".

28 de fevereiro de 2007

Do pudor

Impossível comentar com propriedade um fragmento de Torctis. Nem o próprio A. Pattje-Russerl arriscou um tal feito, prova disso é a tradução inglesa que ele fez do clássico eterno que é “Ensinamentos morais”, cuja introdução conta-nos o essencial sobre a biografia desse grande legislador e moralista, mas não arrisca um comentário sequer sobre o texto em si. Abaixo, minha tradução, via Pattje-Russerl, de um fragmento da obra:


LXXVIII – Do bom uso do pudor

“É na ausência de pudor, mais do que na ausência de caráter, que a decadência encontra a sua [
ilegível] forma mais violenta.”

“... ser despudorado, desprezível ser de indecência despropositada [...], cujo sorriso arregementador, pretensamente cúmplice, tocado de malícia lúbrica, mas estéril – é aquele que oferece suas vísceras ao suposto gozo da canalha. Há um duplo engano nesse ato, o que faz desse entreato de horrores e indelicadeza [...], um suplício intolerável.”

“Diante [da ação] funesta do homem verdadeiramente despudorado, a gente toda que o circunda almeja a morte imediata por [
ilegível]. [Nessa] ocasião, todo o gozo e zombaria é de constrangimento desesperado e toda a canalha torna-se subitamente pura, nobre e leiga, redimida por essa anedota negra... [...].”


“Do bom uso do pudor”, in “Ensinamentos morais” de PETRVS IALANET TORCTIS, séc. IV, tradução em língua inglesa do original latino por Antoïc Pattje-Russerl (London, F&B, 1945)

"Bem feito!"

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Acabei de me mudar para o Blogger. Não consigo mais me acertar com os modelos escolares e pauzeiros do UOL Blog (posso imaginar E. dizendo, cheio de dentes: "Bem feito!").

De qualquer forma, Tal a Fuga I ainda continua no UOL. Provisoriamente, eu espero, ao menos até que eu consiga achar uma forma de importar todo o seu conteúdo.