17 de maio de 2007

Variações francesas (Qu’est-ce qu’il est chauvin!)

Para S. M., que ficaria puta lendo isso, mas que sabe que eu a (os) amo.


No Brasil - et un peu partout - fala-se muito do mau-humor do francês e de sua polidez, por vezes, ofensiva. De fato, para as almas delicadas e prestativas que são as nossas, curtidas no caldo colonial e nos seios fartos de povos despretensiosos e receptivos, o espírito francês não é dos mais acolhedores.

Sei que é bobagem endossar preconceitos culturais, mas, por vezes, sinto que existe algo na alma francesa que eu definiria mais ou menos assim: é como se os franceses não devessem nada a ninguém, tivessem sempre medo de perderem o pouco que têm e vissem os outros, necessariamente, quer como a continuidade de sua glória passada ou futura, quer como a certeza de seu ocaso. Embora “latinos”, talvez devido a sua estreita relação com a sensibilidade dos povos do Norte, os franceses, sobretudo do Limousin para cima, foram certamente influenciados pela disposição de espírito dos ingleses, holandeses e alemães, que, como sabemos, não criaram o Tango, nem o Samba e nem a Macarena.

Alguns acusarão, com razão, a minha injustiça: ele tenta classificar a sensibilidade das culturas através do grau de elasticidade e relaxamento dos quadris!

Não, as coisas não são tão simples. Na verdade, faço referência ao derramamento da tristeza, da nostalgia, à amplificação do estado amoroso, seja idealizado ou simples “bota pra foder”, que tão bem definem o Sul. Não se pode negar que os povos do Sul têm um acesso direto a seu corpo e que isso produziu um saber outro no âmbito da cultura. Eu chamaria esse saber de “sabedoria do vivente” e o oporia à “sabedoria do sobrevivente”. Bom, paro por aqui a “avaliação de conjunto” que ensaiei, sem pretensão alguma de aprofundar este olhar sociológico zarolho sobre um tema do qual já se disse muito desde que os gringos aprenderam a boiar e a remar longas distâncias.

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Sem sacanagem alguma, se eu não soubesse que Billie Holiday estava se referindo na frase abaixo a uma clínica de desintoxicação, eu pensaria que ela estava fazendo alusão direta à vida universitária francesa ou, mais particularmente, a uma “equipe de pesquisa”:

“Se soubesse qual era o tipo de ‘tratamento’ que eles iriam me dar em Alderson, teria me tratado sozinha – era só me trancar num quarto e jogar a chave fora”.

(“Lady sings the blues: uma autobiografia”, de Billie Holiday, com a colaboração de William Dufty. Tradução de Luiz Antônio Sampaio Chagas. São Paulo: Brasiliense, 1985. p. 139)

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Para meu completo horror, já ouvi um francês dizendo que os brasileiros, "bajuladores e interesseiros", pensam que eles são “vacas leiteiras”. Não é que eu vá cometer a injustiça de julgar todos os franceses por esse comentário, mas, para dizer a verdade, isso é bem sintomático da parte de alguns franceses: achar que todo mundo quer se esbaldar no seu leite e tomar providências expressas para que de seus mirrados úberes não tombe sequer uma gotinha peregrina.
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A imagem daquele que mama gaiatamente à saciedade onde pode, quando discutida à luz do imaginário que (ainda) sustentamos a respeito dos franceses, é paradoxal e deliciosamente sacana e infantil: eles falam francês e nós fazemos "biquinho". E essa imagem do "biquinho", para mim, é o correlato preciso de Grande Otelo virado Macunaíma, o bebê grande e preguiçoso.

2 comentários:

Anônimo disse...

então doutor,

sinto que comentários aqui te soam desnecessários, mas eu não poderia deixar de "agradecer" a nova ordem aplicada aqui pela freqüência.

abraço!

Felipe Martini disse...

gracias, señor.