20 de maio de 2007

Japonaiseries

Quando comecei, entre 99 e 2000, a interessar-me pela poesia japonesa, o que nela me chamou mais a atenção foi a evolução de sua metrificação e sua relação com a oralidade. O haikai (haiku), como se sabe, é a "cabeça", a primeira estrofe (hokku) de um longo poema popular encadeado (haikai-no-renga) no qual os motivos sazonais (kigo) são retomados em espirais vertiginosas, multiplicados em progressão geométrica, alcançando variações surpreendentemente sofisticadas. Essa forma encadeada (tributária do waka ou tanka), que deu origem ao concentrado e mínimo haikai, era, por vezes, extensa, prolixa e, portanto, repetitiva (o que no zen-budismo não é nenhum defeito). Não raro, poetas entravam em "transe", em furor poético, de tanto improvisar poemas incansavelmente em torno de um braseiro.

É curioso pensar que o haikai, este mínimo de nada, este capricho de contenção e concentração, tenha se originado como sedimentação, como decantação, da caudalosa poesia encadeada.

Para entender melhor como se dava esse jorro rítmico-temático que era o poema encadeado - talvez uma das únicas formas poéticas japonesas em que o conceito de eloqüência tem algum sentido -, decidi praticá-lo.

O magro resultado desse exercício é a série de poemas que segue, que reuni sob o título "Japonaiseries" (como as "japoneries" de Pierre Loti) ao final de meu Póstumas (Poemas - 1998-2000).



*


ARENGAS



I


a rã: cigarra de couro
radia na manhã -
caminho do aldeão.

fresta galho de sol
ergue a poeira morno.



um passo mais largo
resto de orvalho -
bolsos pesados.

surpresa: são pedras
as pontas de meus dedos.



rebelde a gota
só: moída pela chuva
fere meu degredo.

um canto em brasa -
cigarro da cigarra.





II



de vibrar serpenteia:
língua do sapo
na libélula.

raiz coberta de lama
ceia medular a seiva.



antenas clementes -
som de insetos -
lume delator.

um pé só calcanhar
atrás de meus netos.



céu varado -
ninho de cascavéis
serve o chão.

fresco o abrigo
sumo de guizos.

Um comentário:

Públio Athayde disse...

Conexo a este tema, convido a conhecer http://fugaspoeticas.blogspot.com/
Abraço