18 de maio de 2007

Balzac dos insetos

O entomologista francês Jean-Henri Fabre (1823-1915), autor de uma verdadeira Comédia Humana sobre os insetos, é praticamente desconhecido entre nós. A obra científica de Fabre já foi editada em uma dúzia de línguas, exceto em português. Sua poesia permanece praticamente inédita, sendo quase toda ela escrita em provençal (não, ele não é nenhum Arnaut Daniel).

Conheci Fabre por acaso, ao adquirir um volume de suas Memórias entomológicas em um sebo qualquer. Iniciada a leitura, não demorei muito a perceber que estava diante de um cronista de um fino senso de observação e de uma percepção insuportavelmente lúcida tanto do mundo dos insetos quando do mundo dos humanos. Não foi à toa que Jean-Henri Fabre teve, entre seus correspondentes e admiradores, Charles Darwin e John Stuart Mill, entre outros.

A humanização das personagens e pequenos dramas do mundo animal é um tema rico (vide Esopo, La Fontaine, George Orwell e... Walt Disney!). Basta assistir a cinco minutos das redes de televisão a cabo que exploram esse filão para ver que a picada inaugurada por Fabre vem sendo explorada incansavelmente – e com bem menos estilo.

Abaixo, minha tradução de uma passagem de “O louva-a-deus”, texto publicado originalmente em 1897, no quinto volume das Memórias entomológicas, e reeditado em 1949, na coletânea Cenas da vida dos insetos:

“[...] Devido a uma exceção da qual não se poderia suspeitar na classe herbívora dos Ortópteros, o louva-a-deus alimenta-se exclusivamente de presas vivas. Ele é o tigre das pacíficas populações entomológicas, o ogro à espreita que cobra seu tributo em carne fresca”.

“Exceto por seu instrumento letal, o louva-a-deus em nada inspira apreensão. Ele não carece nem mesmo de graça, com sua figura esguia, seu elegante corpete, sua coloração de um verde tenro, suas longas asas de gaze. Nada de mandíbulas ferozes, abertas como tesouras. Ao contrário, um focinho pontudo que parece ser feito para bicar. Com a ajuda de um pescoço flexível, bem separado do tórax, a cabeça pode girar, virar para a direita e para a esquerda, inclinar-se, erguer-se. Solitário entre os insetos, o louva-a-deus dirige seu olhar, inspeciona, examina. Ele tem quase uma fisionomia”.

Um comentário:

André Caparelli disse...

Ola.
De passagem pelo seu site, encontrei seu comentario sobra a obra de Jean-Henri Fabre.
E dentro do processo de humanização do personagem, como você o diz, eu estou à procura de alguns outros exemplos entre as relações entre os "insetos" e a "escritura". Seja o "käfer" de Kafka, das "Chercheuses de Poux" de Rimbaud, a aranha nietzchiniana, a lacraia ( The Ballad of Persse O'Reilly) de Joyce, a barata de Clarice Lispector, etc, gostaria de umas indicações suas sobre esse tipo de desconstrução do sujeito.
Obrigado