13 de novembro de 2007

Semiótica do discurso


No último domingo, dia 11 de novembro, saiu uma matéria no jornal BOM DIA sobre a minha tradução de Semiótica do Discurso, de Jacques Fontanille (Contexto, 2007). A entrevista abaixo, realizada por e-mail, serviu de base à matéria veiculada pelo jornal.



Respostas às questões de Júlio César Penariol – 30/10/2007


1) Quando começou sua paixão pela Semiótica?
Em meados de 97, no primeiro ano do curso de jornalismo da Unesp. Na época, já um pouco descrente do que o jornalismo poderia fazer (por mim, não pelos outros), eu via na Filosofia uma espécie de trato “amoroso” das idéias que me agradava muito. Da Filosofia para a Semiótica, eu só fiz deslocar ligeiramente meu interesse: ao invés de me ocupar diretamente do pensamento, eu passei a me perguntar quais seriam os símbolos que utilizamos para pensar, explicar, mostrar, enfim, viver. Quando passei a me interessar mais pela representação do pensamento do que por ele em si, eu já tinha entrado na seara semiótica sem saber.

2) Como definir para um leigo, em simples palavras, o que significa Semiótica e qual a importância dela para a nossa vida?
Primeiramente, gostaria de me servir de um elemento da sua pergunta para falar a respeito de uma idéia importante para a Semiótica: as palavras, imagens ou sons, jamais são “simples”. Isso não significa que sejam necessariamente “difíceis”, mas que, no fundo, por detrás da aparente simplicidade e naturalidade dos símbolos que utilizamos para representar a experiência cotidiana, há formas complexas, construídas e fixadas ao longo do tempo e que variam segundo a cultura de que tratamos. A Semiótica procura reconhecer e classificar essas formas, de modo que sejamos mais conscientes na sua utilização. A idéia é simples: se conhecermos o significado das placas de trânsito e atentarmos para a prescrição que elas contêm (“proibido estacionar”, “rua sem saída” etc), talvez não sejamos melhores motoristas, mas, ao menos, motoristas mais conscientes de nossos acertos e erros. Da mesma forma, a Semiótica, com seu estudo sobre as maneiras que o homem tem para se comunicar (palavras, gestos, traços, sons etc), pode nos dar mais consciência sobre nossos próprios atos e pensamentos e nos ajudar a compreender os dos outros.

3) Quando teve a idéia de traduzir o livro?
Embora haja no Brasil bons livros introdutórios sobre as várias Semióticas (a francesa, a americana e a russa, basicamente) tanto de autores estrangeiros quanto brasileiros, enquanto professor e pesquisador, eu sentia a necessidade de uma obra que tratasse da Semiótica francesa em comparação (ou combinação) com as demais Semióticas e que trouxesse algum ar fresco para a Semiótica que fazemos hoje no Brasil, que é tradicionalmente ligada à Semiótica dos anos 60 a 80, e que, com raras exceções, acaba não chegando aos debates semióticos mais recentes. Foi nesse contexto que me surgiu a idéia de traduzir “Semiótica do discurso”, uma obra editada pela primeira vez na França em 99 e desde então traduzida para o espanhol e para o inglês.

4) Você morou na França, não? Por quanto tempo?
Sim, morei na França entre 2005 e 2006, durante pouco mais de um ano, para realizar uma temporada de estudos na Universidade de Limoges, justamente sob a orientação do autor de “Semiótica do discurso”, Jacques Fontanille. Essa temporada de estudos, que na verdade foi um estágio doutoral ou doutorado “sanduíche” (pois é um doutorado realizado metade no país e metade no exterior) contou com o financiamento da CAPES, órgão do governo federal vinculado ao MEC que cuida do ensino superior no Brasil e que já financiava minha pesquisa de doutorado na Unesp de Araraquara.

5) Que qualidades precisa ter um tradutor?
Um tradutor precisa ser um sujeito curioso, desconfiado, criterioso e, sobretudo, responsável pelo material que traduz. Só assim é possível (ainda assim sem a certeza de conseguir) traduzir. Traduzimos todos os dias e para várias línguas e linguagens. Alguém pergunta: Que horas são? E lá vamos nós olhando os ponteiros ou dígitos do relógio e respondendo a sua tradução em português. Ou ainda: Mãe, o que é democracia? A pobre mãe, supostamente detentora de todas as respostas, segundo seu humor do momento, passa a dar ao filho uma explicação sobre a democracia, procurando traduzir, adequar, adaptar o conceito de democracia ao repertório do filho. Vemos que a responsabilidade, como eu dizia inicialmente, é fundamental no trabalho de tradução.

6) Como ser fiel às idéias do autor?
Como no casamento ou na amizade, a idéia de “fidelidade” em tradução é relativa (ou nem tanto, para alguns). Às vezes é preciso trair para ser fiel, daí talvez o provérbio italiano “tradutor, traidor”. Em outras ocasiões, ser literalmente fiel será a mais imperdoável traição. É preciso ser fiel, sim, às idéias e ao estilo do autor traduzido, mas é preciso ser fiel, sobretudo, à língua para qual se traduz. Há coisas que dizemos em francês que não podemos dizer em português (e vice-versa). Além de palavras e frases, há também idéias e "contextos" de difícil tradução. Por exemplo, em “Semiótica do discurso”, há dois exemplos que tratam sobre uma partida de rúgbi. Ora como falar em rúgbi no país do futebol? A partir dessa premissa, com a devida autorização do autor, “traduzi” o exemplo do rúgbi para uma partida de futebol, para procurar atingir em cheio o leitor brasileiro.

7) Precisa conhecer a vida dele, ou apenas suas obras?
Da mesma forma como não é preciso conhecer o histórico psiquiátrico de alguém para lhe fazer competentemente as unhas, não precisamos necessariamente conhecer a vida de um autor para traduzi-lo, embora informações subjetivas sobre seu estilo de vida possam ajudar na recuperação do seu tom na língua em que se traduz. Eis aí uma idéia tipicamente semiótica: existe uma lógica que rege o estilo de vida e o estilo de escrita de um autor. Não existe geração espontânea nem na vida e nem na escrita: todas as formas de representação seguem uma lógica, uma ordem mais ou menos estável. Resta descobrir qual é essa equivalência.

8) Que tipo de público leitor você imagina para este livro?
“Semiótica do discurso” não é exatamente um livro para o “grande público”, já que trata de temas que interessam principalmente a semioticistas (os que estudam Semiótica) ou a seus “primos”: comunicólogos, sociólogos, antropólogos, filósofos etc. No entanto, não é também um livro “impossível”, dirigido só ao “pequeno público”, já que é uma obra de caráter didático e, por isso, preocupada em explicar passo a passo os meandros da teoria e da prática da Semiótica.

9) Qual é o caminho burocrático para se fazer a tradução de uma obra?
O primeiro passo para traduzir uma obra é encontrar uma editora que queira ou aceite traduzi-la. No meu caso, apresentei meu projeto de tradução a diversas editoras e quem o acabou acolhendo foi a Contexto, editora que tem sido, cada vez mais, uma referência na área de Semiótica. Não basta querer traduzir, conhecer o autor, gostar do campo sobre o qual trata o texto traduzido. É preciso que as editoras dos dois países em questão se entendam em relação às questões de direito autoral, tiragem, duração do contrato etc. Só depois dessa fase superada e do contrato de tradução assinado, é que se começa a traduzir. Como todos os ramos de atividade, a tradução não escapa às regras de mercado.

10) A tradução de um livro é uma arte?
Eu acredito que sim, desde que partamos de uma definição de arte como técnica, como conjunto de procedimentos que alguém pode chegar a dominar com mais ou menos precisão. Da tradução de um livro de receitas à tradução de um manual de engenharia ou de uma obra religiosa ou literária, o tradutor sempre está diante do mesmo desafio: transpor o sentido dos textos em outros textos equivalentes. Se “fazer sentido” (falar, pensar, criar) pode ser uma arte sofisticada, não vejo por que “transpor sentido” não o seria também. Nesse sentido, traduzir é realmente uma arte e das mais sutis.


* * *

5 comentários:

Anônimo disse...

maníssimo, parabéns pelo livro!
vou falar com a denise. ela vai adorar ler o livro. e eu tb vou, é claro.
abração

Anônimo disse...

Saborosíssimo Jean. Sua tradução de si mesmo e do seu trabalho para o grande público ficou impagável. Aliás, para variar...
beijo grande, minha admiração e o deleite de quem vê a comparação entre traduzir e fazer unhas competentemente... :-P

menina disse...

Parabens, Jean ! Copiei este artigo muito interessante, que vou traduzir pelos meus amigos tradutores franceses !

Um abraço

Lusina
http://lusina.unblog.fr

menina disse...

Des extraits de l'interview se trouvent sur le blog du portail de traduction littéraire :
http://fdt-tribunelibre.blogspot.com/
A bientôt
lusina
http://lusina.unblog.fr

Sr do Vale disse...

Jean, Estava ouvindo uma música da banda Gatto Marte, chamada 'fuga semiótica', achei interessante o nome e resolvi procurar no google a definição, e acabei aqui, com uma definição interessante sobre o tema, e mais interessante é que o nome do blog é Fuga e Semiótica o tema abordado.

Já estou preparando um novo desenho digital, o qual se chamará Semiótica do Inconciente.


Abraços