13 de maio de 2007

A PARTE DAS MIGALHAS

Sei... Depois de mim, as migalhas!
Criada de Madame de Pompadour, Séc. XVIII



Tão sorrateiramente quanto a ocasião me permite, sou daqueles que batem a toalha para fora da sacada.

Antes, é claro, verifico com displicência culposa se na toalha há outra coisa que migalhas. Um guardanapo, um isqueiro, uma caneta? Perda lastimável. O saleiro, um talher? Assassínio!

Nos segundos que seguem ao arrastão que faz da toalha uma trouxa, ainda tento, lançando mão de minha habilidade de prestidigitador incrédulo, nela sondar qualquer coisa mais saliente que uma migalha. Não raro, aperto com zelo a toalha contra o peito (talvez seja sua última viagem), tateando a trouxa indecente e transbordante. Se a trouxa compacta-se sem oferecer resistência, a sorte está lançada.

Se já é noite, dependendo da intensidade da luz, posso ver dezenas ou centenas de migalhas de vários tamanhos em seu último salto. Chacoalho a toalha duas ou três vezes, a última deve produzir um som grave e abrupto de pano de toureiro, garantia de que a violência do gesto foi suficiente para desprender mesmo as migalhas microscópicas ou (completo horror!) as migalhas úmidas. Caso a operação obtenha sucesso, mais do que migalhas, nesse vôo livre embarcarão também alguns fiapos.

Mesmo sabendo que, muito provavelmente, as migalhas de minha mesa acharão morada no chão da sacada de um ou vários de meus remotos e anônimos vizinhos verticais, continuo impune e friamente a bater toalhas.

Confesso: após o ato final, sempre há um momento, na hora em que deito a toalha isenta e esvoaçante sobre a mesa – que deverá acomodar-se em um só lance, comprovando minha destreza para certas manobras cotidianas cuja dificuldade é por muitos ignorada –, em que uma chuva de migalhas invade a minha imaginação.

Nessa visão, vindas de cima, dos ares, as migalhas jorram de um coro de dez toalhas implacavelmente orquestradas. Segundo o vento e a força com a qual foram lançadas, algumas delas terminarão, é certo, no chão de minha sacada.

Bater toalhas. Comunhão e generosidade. Amoralidade e resignação.

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