27 de novembro de 2007

A existência ingênua

[Entre matéria e pensamento] o que preexiste a que?

Ah, sim, o que é anterior, ontologicamente anterior? Acho que o problema do caráter anterior e primitivo de um modo de existência em relação a outro não é fundamental. [...] O verdadeiro problema, tal como eu o entendo, é mais o seguinte: quando se discute a anterioridade ontológica do espírito e da matéria, será que não seria preciso sobretudo discutir a anterioridade ontológica relativa daquilo que eu chamaria existência ingênua e existência científica? A existência ingênua existe de fato no âmbito da realidade cotidiana. Somos objetos, falamos, temos uma idéia bem clara de que estamos em um universo que existe e que existimos, tanto nós como o universo, e que essa é uma forma, digamos, razoavelmente primitiva da existência. Então, surge a ciência que vem nos dizer: não, na verdade, esta escrivaninha é feita de átomos ligados uns aos outros por relações e por puro vazio. E, daí, aquilo que acreditamos que é cheio, não tem nada de cheio, é totalmente oco, há pouquíssimos elementos. Será preciso, então, crer que a realidade, como nos descreve a ciência, é mais fundamental que a realidade que vivemos cotidianamente? Esta última contém os dois ingredientes: a solidez da matéria e a evidência imediata do psiquismo. É mais nessa direção que eu entendo as coisas. Fico tentado a dizer que, para mim, é a realidade ingênua que é ontologicamente anterior à realidade científica. Esta é sempre construída, e sua existência vale o que valem as construções científicas: algo de extremamente revisável e temporário. Ao passo que, sobre a realidade imediata, temos todos razão em pensar que a concepção que temos de uma árvore ou de uma pedra não é tão diferente daquela que tinham nossos ancestrais do paleolítico”.

(Extraído de Prédire n’est pas expliquer: entretiens avec Emile Noël, de René Thom, Flammarion, 1993, p. 88-89. Tradução de J. C. P.)

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