25 de maio de 2007

O jovem e seu preceptor

Este post é um "clin d'œil" ao poeta árabe de origem persa Abu-Nuwas (nascido em Ahwaz, morto em 810), o "homem de cabelos 'pendentes'", que fez uma ponta nas Mil e uma noites.

O conto a seguir, que tem ao menos mil anos, é uma adaptação de uma das histórias compiladas e traduzidas do árabe para o inglês por Sir Richard Burton.


O JOVEM E SEU PRECEPTOR

Conta a lenda que o vizir Badr al-Din, governante do Iêmen, tinha um jovem irmão cuja beleza era tão espantosa que, quando ele passava, homens e mulheres, querendo banhar seus olhos por um instante no charme que dele emanava, viravam-se e detinham-se para admirá-lo. O vizir, que temia que algo de inoportuno pudesse acontecer a tão adorável ser, mantinha-o longe dos olhares dos homens, impedindo-o de ter amigos da mesma idade. Não estando disposto a enviá-lo para a Escola Corânica como os demais meninos, onde ele não poderia ser suficientemente vigiado, pediu a um venerável e piedoso ancião, conhecido por sua conduta absolutamente casta, que assumisse o papel de seu preceptor, instalando-o em um quarto vizinho ao do pupilo.

Todos os dias, o respeitável ancião passava horas e mais horas com seu estudante. Não tardou para que a beleza e a sedução do jovem surtissem seu efeito costumeiro. Após algumas semanas, o velho homem foi acometido de uma paixão tão violenta pelo menino, que ele podia ouvir todos os pássaros de sua juventude cantando novamente em seu íntimo, e esse canto nele despertou algo que há muito tempo estava adormecido. Não sabendo como dominar seus sentimentos, o velho homem declarou-se ao jovem, dizendo que não poderia viver muito mais tempo longe dele.

“Ai de mim”, disse o jovem, profundamente tocado pelo sentimento de seu professor, “eu nada posso fazer, cada segundo de meu tempo é vigiado por meu irmão”. O velho homem suspirou e disse, “Como eu almejo passar uma noite sozinho ao teu lado!”. “Falas muito bem”, retorquiu o outro, “mas se meus dias são tão bem guardados, como imaginas serem minhas noites?”. “Eu bem sei”, disse o ancião, “mas minha varanda é vizinha a tua, enquanto teu irmão dorme, seria fácil passares pela janela de teu quarto para a varanda; então eu te ajudaria a escalar o muro para que entrasses. Lá estando, ninguém poderia nos ver”.

Tal idéia agradou ao jovem. Nessa mesma noite, ele fingiu estar dormindo, e, tão logo o vizir adormeceu, saltou a janela de seu quarto e ganhou a varanda, onde o velho homem esperava-o. O sábio pegou-o pela mão e, passando-o por cima do muro, conseguiu trazê-lo para dentro de sua própria varanda, onde bandejas de frutas e taças de vinhos transbordantes os aguardavam. Eles se sentaram em um tapete branco e, banhados pelo luar, começaram a beber e a cantar sob a inspiração da noite clara e da suave luz das estrelas que iluminavam o seu êxtase. Enquanto as horas assim maravilhosamente passavam, o vizir Badr al-Din despertou repentinamente e, como que tomado de um pressentimento, teve a idéia de ir ao quarto de seu jovem irmão, onde, atônito, não conseguiu encontrá-lo. Depois de procurar o jovem por todo o palácio, ele decidiu sair para a varanda e, aproximando-se do muro, viu seu irmão e o velho homem sentados lado a lado, erguendo ambos suas taças de vinho em um brinde extasiado.

Tamanha foi a sorte que tiveram: o velho sábio, percebendo a presença do vizir, agiu genialmente rápido. Ele interrompeu a canção que cantava e improvisou tão habilmente uma outra estrofe que a seu ritmo nada faltou. Tendo cantado:

Oh amado, tua boca molhou
Esta taça que agora é minha,
O ruge de tua face tornou
A cor do vinho esmaecida!

Na seqüência, improvisou:

Teu irmão nobre e respeitável,
Reprovar-me-ia duramente
Se eu chamasse a ti “adorável”,
Ser belo, sereno e excelente!

Ao ouvir tão delicada alusão, o vizir Badr al-Din, sendo homem discreto e galante, e vendo igualmente que nada de impróprio acontecia entre os dois, retirou-se, dizendo a si mesmo: “Assim como Alá vive, que eu não perturbe tal confraternização”. E a dupla pôde continuar a festejar em perfeita harmonia.

Tradução de J. C. P.

Um comentário:

Anônimo disse...

Jean,
Abu-Nuwas, não o conhecia ainda...
adoro lendas, tenho pesquisado
sobre as lendas japonesas e chinesas.
Seu blog é um acervo cultural bem feito, parabéns!

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