5 de dezembro de 2007

O lapso incontornável

Alguém que tenha ouvido Dalva de Oliveira Canta Boleros (Odeon, 1959) e O Encantamento do Bolero (Odeon, 1962) – de preferência em bolachões ligeiramente riscados, lidos por agulhas empoeiradas mas obedientes – sabe onde encontrar uma escola suficiente de sofrimento. Que dicção, que ardor!

Nos primeiros versos de "Lembra", durante muito tempo, ouvi erroneamente "Junto ao meu coração", o que me deixava sempre maravilhado. Eu imaginava que o coração de Dalva estava já na lama antes que ela mesma tivesse sido atirada. Era a decadência exterior, que encontrava a confessa degradação interior.

(Isso me lembra a história de L., que, por anos, na célebre canção de Maysa, ouvia "Ousa...", no lugar de "Ouça...".)

E se o deslumbramento do sujeito com o mundo, com a arte, não passasse afinal de um lapso incontornável encoberto pelo esquecimento?



LEMBRA
(Tito Climent)

Lembra, que tu me abandonaste,
Na lama me atiraste,
Junto o meu coração,
Lembra, o muito que implorava,
No tempo em que eu te amava,
E hoje pedes perdão.

Volta, vais sofrer teu castigo,
Não procures comigo,
O que já se acabou,
Chora, teu fracasso inconsciente,
Porque o amor dessa gente,
Dura como uma flor,
Lembra, que viverás sofrendo,
Que viverás morrendo,
Ao lembrar tua traição.

Chora, teu fracasso inconsciente,
Porque o amor dessa gente,
Dura como uma flor,
Lembra, que viverás sofrendo,
Que viverás morrendo,
Ao lembrar tua traição....

(Dalva de Oliveira Canta Boleros, Odeon, 1959)

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