21 de maio de 2007

Um muro, um fosso

Partindo do ponto de vista daquele que escreve, a descontinuidade que existe entre uma obra e outra – entre um poema e outro, para ser mais preciso – é algo que me fascina. Quando um poema acaba? Ou, ainda, quando um poema deixa de ser o mesmo poema e torna-se outro.

Fico pensando se não seria mais adequado tratar a descontinuidade de um poema a outro em termos de uma continuidade original, constitutiva.

O poema avança e suas imagens se desdobram... Então, literalmente, há a parada (temporal) e o fechamento (espacial), para empregar os termos caros a C. Zilberberg. A imagem cessa.

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Partindo de uma questão extremamente prosaica, o grande Lezama Lima conseguiu esboçar uma proto-poética que ilustra bem o problema da parada:


"12. Como o senhor começou a escrever poesia?

Comecei a escrever poesia por volta dos meus 15 ou 16 anos. A Morte de Narciso, eu o escrevi aos 22 anos, foi publicado anos depois, mas é um poema que corresponde a minha adolescência. Eu sentia em mim, desde menino, algo muito peculiar que talvez chamaria poesia. Escutava as histórias que contavam minha avó, meus tios, minha mãe, e depois as entrelaçava com novos episódios meus. Assim, eu podia viver no passado, aproximá-lo do presente que nos rodeava. O mesmo me acontecia com as palavras, eu acabava por relacioná-las com fatos, acontecimentos pessoais ou históricos. Ouvia uma palavra, imediatamente me vinha sua imitação labial, depois, o ritmo respirante, o gesto do indicador ao traçar o contorno da palavra, a brisa que fazia cavalgar a sílaba, as cores que nomeavam a manhã ou se eternizavam na noite. Sempre que me vinha essa sucessão na infinitude, sabia que estava dentro da poesia. Mas num instante surge o muro, a ruptura das sucessões, é uma trégua, um aviso para o começo de outro poema."


(“Un cuestionario para José Lezama Lima”, de Salvador Bueno. In: Paradiso: edición crítica. Cintio Vitier (coordinador). 2. ed. Madrid; Paris; México; Buenos Aires; São Paulo; Rio de Janeiro; Lima: ALLCA XX, 1996. p. 730.)

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Terminado um poema, estamos prontos – embora jamais certos de realmente conseguir – a passar a um outro. É a passagem da parada à parada da parada, à suspensão da suspensão, que resgata a continuidade. No caso da parada (“ruptura das sucessões”), para Lezama, é de um muro que se trata, de um limite, de uma força resistente.

Imagino que, no caso da parada da parada, somos projetados em um precipício, um abismo, um fosso: diferentes formas de nomear a vertigem.

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