30 de novembro de 2007

Le "cisco"

Voici la traduction que la talentueuse et généreuse C. L. a faite d'un de mes poèmes. Hier même j'ai relu les mails que nous avons échangés pour essayer de préciser le sens du mot "cisco" en portugais brésilien (la sensibilité verbale de C. me manque, il faut que je lui écrive pour lui expliquer ma disparition du Net !). Après beaucoup réfléchir à ce sujet, elle m'a présenté la version ci-dessous, qui me semble "définitive" :



GRAIN DE PERLE

La poussière de sable contient en soi son art
Un petit rien de nacre visqueux au toucher
Une cicatrice sableuse, informe, un grain
De coquillage, aspirant au martyre.

Aucun cou ne souffrirait ce régal
Sinon le cou rosé et velouté
Maître de l'ardeur, du frémissement
D'un porc joaillier né.


A PÉROLA EM CISCO ENCERRA TODA A SUA ARTE

A pérola em cisco encerra toda a sua arte
Nada de nácar viscoso ao toque
Cicatriz arenosa, informe, um grão
De concha aspirante a mártir

Nenhum colo conteria essa iguaria
Que não fosse róseo e aveludado
Dono do ardor, do frêmito
De um porco joalheiro nato.

Jean Cristtus Portela
Traduction de C. L.

27 de novembro de 2007

A existência ingênua

[Entre matéria e pensamento] o que preexiste a que?

Ah, sim, o que é anterior, ontologicamente anterior? Acho que o problema do caráter anterior e primitivo de um modo de existência em relação a outro não é fundamental. [...] O verdadeiro problema, tal como eu o entendo, é mais o seguinte: quando se discute a anterioridade ontológica do espírito e da matéria, será que não seria preciso sobretudo discutir a anterioridade ontológica relativa daquilo que eu chamaria existência ingênua e existência científica? A existência ingênua existe de fato no âmbito da realidade cotidiana. Somos objetos, falamos, temos uma idéia bem clara de que estamos em um universo que existe e que existimos, tanto nós como o universo, e que essa é uma forma, digamos, razoavelmente primitiva da existência. Então, surge a ciência que vem nos dizer: não, na verdade, esta escrivaninha é feita de átomos ligados uns aos outros por relações e por puro vazio. E, daí, aquilo que acreditamos que é cheio, não tem nada de cheio, é totalmente oco, há pouquíssimos elementos. Será preciso, então, crer que a realidade, como nos descreve a ciência, é mais fundamental que a realidade que vivemos cotidianamente? Esta última contém os dois ingredientes: a solidez da matéria e a evidência imediata do psiquismo. É mais nessa direção que eu entendo as coisas. Fico tentado a dizer que, para mim, é a realidade ingênua que é ontologicamente anterior à realidade científica. Esta é sempre construída, e sua existência vale o que valem as construções científicas: algo de extremamente revisável e temporário. Ao passo que, sobre a realidade imediata, temos todos razão em pensar que a concepção que temos de uma árvore ou de uma pedra não é tão diferente daquela que tinham nossos ancestrais do paleolítico”.

(Extraído de Prédire n’est pas expliquer: entretiens avec Emile Noël, de René Thom, Flammarion, 1993, p. 88-89. Tradução de J. C. P.)

24 de novembro de 2007

Púchkin por Pereleshin

Não me perguntem de onde Stephen Coote, organizador de The Pinguin Book of Homosexual Verse (Penguin, 1983), extraiu o poema abaixo. Não é preciso ser exatamente um grande conhecedor de Púchkin para saber que este é de fato um poema menor. Duvido mesmo que este poema seja dele, embora confie na tradução em língua inglesa de Valerii Pereleshin, poeta russo que morou durante anos no Brasil, onde chegou no começo da década de 50. Eis uma tradução livre e leve (apressada) do poema de Púchkin traduzido por Pereleshin:


Menino, terno e gentil menino,
Não te envergonhes, para sempre serás meu:
O mesmo fogo rebelde arde em nós
Vivemos uma só vida

Não temo o escárnio:
Para nós, dois se fez um,
Somos exatamente uma noz dupla
Sob uma casca única.

Sweet boy, gentle boy
Don't be ashamed, you are mine forever:
The same rebellious fire is in both of us,
We are living one life

I am not afraid of mockery:
Between us, the tow have become one,
We are precisely like a double nut
Under a single shell.

Aleksandr Púchkin (1799-1837)

Tradução em língua inglesa de Valerii Pereleshin (1913-1992)
Tradução brasileira de J. C. P

23 de novembro de 2007

O virtuosísmo de Desproges




Ó vertigem do roupeiro escancarado no alinhamento militar dos trapos incertos de aromas naftalínicos...


Ó vertigem do roupeiro escancarado no alinhamento militar dos trapos incertos de aromas naftalínicos...
Odeio cabides.
O cabide agride o homem. E por pura crueldade.
O cabide é o único objeto que agride o homem por pura crueldade.
O cabide é o lobo do homem.
Há objetos que agridem o homem pois essa é sua razão de ser.
Tomemos a porta... como exemplo! (Mas não a sua direção! Não vão embora! É só um jeito de dizer.)
Tomemos a porta como exemplo. Uma porta. Às vezes o homem toma uma portada na cara.
Ok.
Mas não há nisso a menor manifestação de ódio da parte da porta em relação ao homem.
O homem toma uma portada na cara porque é preciso que uma porta esteja aberta ou seja azul.
O cabide é naturalmente maldoso.
Pessoalmente, a idéia de ter que enfrentá-lo me é detestável.
Às vezes, no entanto, o confronto homem-cabide é inevitável. Algumas vezes, geralmente quando faz frio, a vontade de usar uma calça se torna irresistível.
O homem toma fôlego e também toma as duas portas do armário com as mãos.
Ele está sozinho. Nu. Ele é grande.
Sua postura é digna, diante do combate que sabe agora inevitável.
Seu peito é altivo. Suas pernas, ligeiramente arqueadas.
Seus pés nus, arco fincado ao solo.
Como um bombeiro diante do fogo, ele é belo em seu medo.
As portas do armário se abrem num só movimento. Os cabides estão lá, enroscados em seu puleiro na penumbra hostil.
Como uma fileira de vampiros atarracados no galho morto de um carvalho negro à espera silenciosa do potro desgarrado de flanco tenro no qual eles colarão seus focinhos imundos para drenar seu sangue claro por meio de lentas sucções gargarejadas e viscosas, até que a morte ache lugar.
No entanto, a atitude do homem não é ameaçadora. Simplesmente, ele quer sua calça.
A cinza, com pregas na frente e uma dobrinha embaixo.
O olho atento do homem localizou a calça cinza.
Ela é prisioneira do terceiro cabide da esquerda para direita.
É um cabide particularmente perigoso. Dissimulado. Ah. Ele não brinca em serviço.
Em madeira rosada, os ombros arcados, ele daria é pena.
Mas olhem bem seu gancho.
É uma mão de ferro.
Ela não largará sua presa.
O homem fica duro. Mais ainda seus músculos!
Avança um passinho macio de nada, para não despertar a atenção do inimigo.
É o momento decisivo.
Da eficácia do assalto que vai se seguir dependerá o resultado do combate. Com uma agilidade surpreendente para seu tamanho, o homem salta pra frente. Sua mão esquerda, rápida como um raio, afasta o cabide pendurado à esquerda do cabide rosa, enquanto sua mão direita se fecha impiedosamente sobre este último.
A reação do cabide é fulminante.
Ao invés de intensificar a pressão sobre a barra metálica, ele daí escapa bruscamente, arrastando em sua queda a calça, aquela cinza, com pregas na frente e dobrinha embaixo, a mesma que o homem quer naquela manhã porque.. porque sim.
No chão, o cabide rosa está ferido.
Nada é mais perigoso do que um cabide ferido.
Em seu inesquecível Vou cuspir em seus cabides, Ernest Hemingway não evita por fim tocar no assunto?
Um silêncio que consideraríamos longo, não?
O homem, nesse momento, está de joelhos no armário.
De sua garganta possante sobe um longo grito de guerra de homem dos roupeiros.
“Bagunça filha da puta, porra de cabide idiota do caralho!”
O cabide rosa sentiu a aflição do homem.
E vai sacrificá-lo.
Ele se enrosca em um outro cabide caído que se enrosca por sua vez na alça de uma mala.
Tudo está escuro.
À noite, todas as calças são pardas.
O homem, vencido, não oferece a menor resistência.
O nariz nas pantufas, soluça, na posição do fiel de Alá, a metade superior de seu corpo nu prisioneira do armário, a outra, oferecida ao olhar da emprega espanhola.
Ele sofre.
Algumas gotas de suor orvalham suas pálpebras.
Ele é pura humilhação, desespero e desgosto. Bolas de chumbo pendem de seu traseiro. Está com sede, frio, nem ódio mais tem.
Dê a ele ainda assim uma cueca”, meu pai diz.*
(Desce o pano)


Pierre Desproges (1939-1988)
Extraído de Textes de scène, Seuil, 1988, p. 76-80.

Tradução de Jean Cristtus Portela



* N.T.: Paródia do verso final de "Après la bataille", poema de Victor Hugo ( La Légende des siècles, XLIX, IV).

21 de novembro de 2007

Às cegas


"Jogar Go ou, ainda, xadrez não lhes ensina absolutamente nada sobre o caráter de seus adversários, observou certo dia o Mestre, referindo-se aos jogadores amadores. Buscar avaliar o caráter do adversário desvirtua completamente o espírito do jogo".

Yasunari Kawabata, Le Maître ou le tournoi de Go (Albin Michel, 1975, p. 72)

16 de novembro de 2007

Operações 47

Christopher Isherwood e W. H. Auden.




UM MODELO

são as bochechas melancólicas, amor
muitos deles têm: veja Auden

claras sentinelas do desgosto
flâmulas incômodas no rosto

alta testa, mãos grandes
certos gestos amplos

constante gentileza delatora
(logo eles, os que jamais caem)

ar expirado com desdém
desinteresse calculado, cor de pajem

pernas ao limite cruzadas
e horror (horror!) às armas

é fácil observá-los dourando
iscas indoutas com os olhos

lânguidos surtados, candor nos lábios
coreografando o gozo, prevendo o ato

experimentado em sonhos, sombras, frestas
afastando com o cabelo caudalosas trevas.


junho de 2002

de OPERAÇÕES (poema 47, inédito)

13 de novembro de 2007

Semiótica do discurso


No último domingo, dia 11 de novembro, saiu uma matéria no jornal BOM DIA sobre a minha tradução de Semiótica do Discurso, de Jacques Fontanille (Contexto, 2007). A entrevista abaixo, realizada por e-mail, serviu de base à matéria veiculada pelo jornal.



Respostas às questões de Júlio César Penariol – 30/10/2007


1) Quando começou sua paixão pela Semiótica?
Em meados de 97, no primeiro ano do curso de jornalismo da Unesp. Na época, já um pouco descrente do que o jornalismo poderia fazer (por mim, não pelos outros), eu via na Filosofia uma espécie de trato “amoroso” das idéias que me agradava muito. Da Filosofia para a Semiótica, eu só fiz deslocar ligeiramente meu interesse: ao invés de me ocupar diretamente do pensamento, eu passei a me perguntar quais seriam os símbolos que utilizamos para pensar, explicar, mostrar, enfim, viver. Quando passei a me interessar mais pela representação do pensamento do que por ele em si, eu já tinha entrado na seara semiótica sem saber.

2) Como definir para um leigo, em simples palavras, o que significa Semiótica e qual a importância dela para a nossa vida?
Primeiramente, gostaria de me servir de um elemento da sua pergunta para falar a respeito de uma idéia importante para a Semiótica: as palavras, imagens ou sons, jamais são “simples”. Isso não significa que sejam necessariamente “difíceis”, mas que, no fundo, por detrás da aparente simplicidade e naturalidade dos símbolos que utilizamos para representar a experiência cotidiana, há formas complexas, construídas e fixadas ao longo do tempo e que variam segundo a cultura de que tratamos. A Semiótica procura reconhecer e classificar essas formas, de modo que sejamos mais conscientes na sua utilização. A idéia é simples: se conhecermos o significado das placas de trânsito e atentarmos para a prescrição que elas contêm (“proibido estacionar”, “rua sem saída” etc), talvez não sejamos melhores motoristas, mas, ao menos, motoristas mais conscientes de nossos acertos e erros. Da mesma forma, a Semiótica, com seu estudo sobre as maneiras que o homem tem para se comunicar (palavras, gestos, traços, sons etc), pode nos dar mais consciência sobre nossos próprios atos e pensamentos e nos ajudar a compreender os dos outros.

3) Quando teve a idéia de traduzir o livro?
Embora haja no Brasil bons livros introdutórios sobre as várias Semióticas (a francesa, a americana e a russa, basicamente) tanto de autores estrangeiros quanto brasileiros, enquanto professor e pesquisador, eu sentia a necessidade de uma obra que tratasse da Semiótica francesa em comparação (ou combinação) com as demais Semióticas e que trouxesse algum ar fresco para a Semiótica que fazemos hoje no Brasil, que é tradicionalmente ligada à Semiótica dos anos 60 a 80, e que, com raras exceções, acaba não chegando aos debates semióticos mais recentes. Foi nesse contexto que me surgiu a idéia de traduzir “Semiótica do discurso”, uma obra editada pela primeira vez na França em 99 e desde então traduzida para o espanhol e para o inglês.

4) Você morou na França, não? Por quanto tempo?
Sim, morei na França entre 2005 e 2006, durante pouco mais de um ano, para realizar uma temporada de estudos na Universidade de Limoges, justamente sob a orientação do autor de “Semiótica do discurso”, Jacques Fontanille. Essa temporada de estudos, que na verdade foi um estágio doutoral ou doutorado “sanduíche” (pois é um doutorado realizado metade no país e metade no exterior) contou com o financiamento da CAPES, órgão do governo federal vinculado ao MEC que cuida do ensino superior no Brasil e que já financiava minha pesquisa de doutorado na Unesp de Araraquara.

5) Que qualidades precisa ter um tradutor?
Um tradutor precisa ser um sujeito curioso, desconfiado, criterioso e, sobretudo, responsável pelo material que traduz. Só assim é possível (ainda assim sem a certeza de conseguir) traduzir. Traduzimos todos os dias e para várias línguas e linguagens. Alguém pergunta: Que horas são? E lá vamos nós olhando os ponteiros ou dígitos do relógio e respondendo a sua tradução em português. Ou ainda: Mãe, o que é democracia? A pobre mãe, supostamente detentora de todas as respostas, segundo seu humor do momento, passa a dar ao filho uma explicação sobre a democracia, procurando traduzir, adequar, adaptar o conceito de democracia ao repertório do filho. Vemos que a responsabilidade, como eu dizia inicialmente, é fundamental no trabalho de tradução.

6) Como ser fiel às idéias do autor?
Como no casamento ou na amizade, a idéia de “fidelidade” em tradução é relativa (ou nem tanto, para alguns). Às vezes é preciso trair para ser fiel, daí talvez o provérbio italiano “tradutor, traidor”. Em outras ocasiões, ser literalmente fiel será a mais imperdoável traição. É preciso ser fiel, sim, às idéias e ao estilo do autor traduzido, mas é preciso ser fiel, sobretudo, à língua para qual se traduz. Há coisas que dizemos em francês que não podemos dizer em português (e vice-versa). Além de palavras e frases, há também idéias e "contextos" de difícil tradução. Por exemplo, em “Semiótica do discurso”, há dois exemplos que tratam sobre uma partida de rúgbi. Ora como falar em rúgbi no país do futebol? A partir dessa premissa, com a devida autorização do autor, “traduzi” o exemplo do rúgbi para uma partida de futebol, para procurar atingir em cheio o leitor brasileiro.

7) Precisa conhecer a vida dele, ou apenas suas obras?
Da mesma forma como não é preciso conhecer o histórico psiquiátrico de alguém para lhe fazer competentemente as unhas, não precisamos necessariamente conhecer a vida de um autor para traduzi-lo, embora informações subjetivas sobre seu estilo de vida possam ajudar na recuperação do seu tom na língua em que se traduz. Eis aí uma idéia tipicamente semiótica: existe uma lógica que rege o estilo de vida e o estilo de escrita de um autor. Não existe geração espontânea nem na vida e nem na escrita: todas as formas de representação seguem uma lógica, uma ordem mais ou menos estável. Resta descobrir qual é essa equivalência.

8) Que tipo de público leitor você imagina para este livro?
“Semiótica do discurso” não é exatamente um livro para o “grande público”, já que trata de temas que interessam principalmente a semioticistas (os que estudam Semiótica) ou a seus “primos”: comunicólogos, sociólogos, antropólogos, filósofos etc. No entanto, não é também um livro “impossível”, dirigido só ao “pequeno público”, já que é uma obra de caráter didático e, por isso, preocupada em explicar passo a passo os meandros da teoria e da prática da Semiótica.

9) Qual é o caminho burocrático para se fazer a tradução de uma obra?
O primeiro passo para traduzir uma obra é encontrar uma editora que queira ou aceite traduzi-la. No meu caso, apresentei meu projeto de tradução a diversas editoras e quem o acabou acolhendo foi a Contexto, editora que tem sido, cada vez mais, uma referência na área de Semiótica. Não basta querer traduzir, conhecer o autor, gostar do campo sobre o qual trata o texto traduzido. É preciso que as editoras dos dois países em questão se entendam em relação às questões de direito autoral, tiragem, duração do contrato etc. Só depois dessa fase superada e do contrato de tradução assinado, é que se começa a traduzir. Como todos os ramos de atividade, a tradução não escapa às regras de mercado.

10) A tradução de um livro é uma arte?
Eu acredito que sim, desde que partamos de uma definição de arte como técnica, como conjunto de procedimentos que alguém pode chegar a dominar com mais ou menos precisão. Da tradução de um livro de receitas à tradução de um manual de engenharia ou de uma obra religiosa ou literária, o tradutor sempre está diante do mesmo desafio: transpor o sentido dos textos em outros textos equivalentes. Se “fazer sentido” (falar, pensar, criar) pode ser uma arte sofisticada, não vejo por que “transpor sentido” não o seria também. Nesse sentido, traduzir é realmente uma arte e das mais sutis.


* * *

8 de novembro de 2007

Causalidade domesticada

Correio elegante para René Thom...


"A poesia é um jogo em que, sob uma realidade aparente, surge uma outra, insuspeita."
"La poesia és un joc on, sota una realitat aparent, hi apareix una altra d´insospitada."
J.B.


PAISAGEM

No cume da montanha mais
alta
un leão deitado estira a língua
e franze a testa.

Em Castela ainda não se soube
que o sistema feudal está em crise.


PAISATGE

Al cim de la muntanya més
alta
un lléo estirat treu la llengua
i arruga el front entre els ulls.

A Castella encara no s'han assabentat
que el sistema feudal està en crisi.


Joan Brossa (1919-1998)
Tradução de J.C.P.

7 de novembro de 2007

Confúcio passado

Em sua juventude – há que se ser jovem para procurar uma encrenca dessas – Confúcio dirigiu-se ao venerável Lao Tsé com o objetivo de conseguir palestrar longamente com o recluso e enigmático mestre do Tao Té Ching (O Livro do Perfeito Caminho). Isso se deu entre os anos 503 e 522 a.C., não se sabe ao certo.

O jovem Confúcio esteve com Lao Tsé durante uma tarde inteira, ouvindo-o com respeito, mas sem deixar de manifestar sua surpresa diante da postura inflexível de Lao Tsé.

O Velho, ao contrário de Confúcio, rejeitava a idéia de uma “evolução” certa do espírito. Na verdade, Lao Tsé rejeitava a idéia de uma doutrina, de uma escola de excelência que poderia “salvar” definitivamente a humanidade. Não que ele não acreditasse no Caminho ou que desprezasse o Céu, mas o fato é que o mestre do taoísmo era pessimista em relação à eficácia da comunicação e, sobretudo, da aprendizagem.

*

A caminho de Lu, o discípulo que acompanhava Confúcio, diante de seu silêncio absoluto que já durava três dias inteiros, perguntou-lhe o que se passava afinal.

O Grande Mestre de Cerimônias, rompeu o “silêncio de jade”, respondendo ao discípulo, em um discurso arrebatado:

“Acabo de ter com um homem cujos pensamentos, qual pássaros, ganham as alturas e a imensidão do azul. Quanto a mim, gosto de lançar meus pensamentos um a um, como dardos velozes e pontiagudos, que alcançam o alvo com destreza. Primo pela fidelidade de meus pensamentos, que, retilíneos e desembaraçados, alcançam sua presa.
Acabo de ter com um homem cujas idéias misteriosas e obscuras pairam sob a superfície de um abismo inacessível. Deleito-me com o fato de que minhas idéias possam ser fisgadas na ponta de um caniço e prazerosamente consumidas. Dos pássaros, sabemos que voam, é seu destino. Os peixes, sabemos todos, podem nadar. As bestas do campo, trotar. No entanto, sei muito bem que, convenientemente armado, posso capturar o que trota com uma armadilha; o que nada, com uma rede; o que voa, com uma flecha.
Quanto aos dragões, ignoro se voam solenes tempestade afora ou se cavalgam as nuvens do céu imenso. Contemplei Lao Tsé como alguém que vislumbra um dragão. Minhas idéias turvaram-se e fui privado de fôlego. Meu espírito, desgarrado, não soube mais onde achar repouso.”

(Resposta transcriada da admirável tradução brasileira de Múcio Porphyrio Ferreira)

6 de novembro de 2007

Dicionário das Idéias Feitas sobre as Ciências Humanas - F²

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Filosofia

A mãe de todas as ciências.
O gosto da sabedoria e a sabedoria do gosto.
Consome-se com e como café.
Encontra sua função na alcova ou no botequim.
Vã, barata, frágil, rasteira, mística.



Fodeu!

Não há nada que preste nesta bibliografia...
Epígrafes hematófagas!
Dados incompletos, análises inconsistentes, conclusões obtusas.
Fomos desmentidos pelas estatísticas.
Desmentimos as estatísticas.
As fontes secaram.
A cultura material é bibliodegradável.
Isso depende do crivo de leitura.

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