30 de julho de 2008

Agir, eu venho

Procurando algo sobre Henri Michaux na net, descobri um pequeno vídeo encanta(e perturba)dor, uma leitura do poema "Agir, je viens", que eu desconhecia.

Inevitável - e irresponsável - ensaiar uma tradução brasileira do texto:



AGIR, EU VENHO

Empurrando a porta que há em você, eu entrei
Agir, eu venho
Estou aqui
Apóio você
Você não está mais ao léu
Não está mais em dificuldade
Amarras desfeitas, suas dificuldades esmorecem
O pesadelo do qual acorda alucinada não existe mais
Eu a amparo
Você põe comigo
O pé no primeiro degrau da escada sem fim
Que a leva
Que a levanta
Que a realiza

Eu a apaziguo
Envolvo-a em camadas de paz
Faço bem à criança do seu sonho
Afluxo
Afluxo em louros sobre o círculo das imagens da amedrontada
Afluxo nas neves de sua palidez
Afluxo em sua lareira... e nela o fogo se reanima

AGIR, EU VENHO
Seus pensamentos impulsivos são apoiados
Seus pensamentos destrutivos são atenuados
Eu tenho minha força em seu corpo, insinuada
... e seu rosto, perdendo as rugas, é reavivado
Em você a doença não encontra mais caminho
A febre abandona-a

A paz das abóbadas
A paz dos campos novamente em flor
A paz entra em você

Em nome do mais alto número, eu a ajudo
Como em uma fumaça vulcânica
Vai-se todo o peso de seus ombros
As caras maldosas ao seu redor
Observadoras peçonhentas das misérias dos fracos
Não a vêem mais
Não existem mais

Tripulação de reforço
Em mistério e em linha profunda
Como uma esteira submarina
Como um canto grave
Eu venho
Esse canto a alcança
Esse canto a arrebata
Esse canto vibra de riachos
Esse canto se alimenta de um Niágara acalmado
Esse canto é todo seu

Nada mais de alicates
Nada mais de sombras negras
Nada mais de temores
De nada disso há mais vestígio
E com nada disso você tem mais a ver
Onde havia dor, há proteção
Onde havia dispersão, há constância
Onde havia infecção, há sangue novo
Onde havia ferrolhos, há o oceano aberto
O oceano promissor e a plenitude sua
Intocada, como um ovo de marfim.

Eu lavei o rosto do seu futuro.


*


AGIR, JE VIENS

Poussant la porte en toi, je suis entré
Agir, je viens
Je suis là
Je te soutiens
Tu n'es plus à l'abandon
Tu n'es plus en difficulté
Ficelles déliées, tes difficultés tombent
Le cauchemar d'où tu revins hagarde n'est plus
Je t'épaule
Tu poses avec moi
Le pied sur le premier degré de l'escalier sans fin
Qui te porte
Qui te monte
Qui t'accomplit

Je t'apaise
Je fais des nappes de paix en toi
Je fais du bien à l'enfant de ton rêve
Afflux
Afflux en palmes sur le cercle des images de l'apeurée
Afflux sur les neiges de sa pâleur
Afflux sur son âtre.... et le feu s'y ranime

AGIR, JE VIENS
Tes pensées d'élan sont soutenues
Tes pensées d'échec sont affaiblies
J'ai ma force dans ton corps, insinuée
...et ton visage, perdant ses rides, est rafraîchi
La maladie ne trouve plus son trajet en toi
La fièvre t'abandonne

La paix des voûtes
La paix des prairies refleurissantes
La paix rentre en toi

Au nom du nombre le plus élevé, je t'aide
Comme une fumerolle
S'envole tout le pesant de dessus tes épaules accablées
Les têtes méchantes d'autour de toi
Observatrices vipérines des misères des faibles
Ne te voient plus
Ne sont plus

Equipage de renfort
En mystère et en ligne profonde
Comme un sillage sous-marin
Comme un chant grave
Je viens
Ce chant te prend
Ce chant te soulève
Ce chant est animé de beaucoup de ruisseaux
Ce chant est nourri par un Niagara calmé
Ce chant est tout entier pour toi

Plus de tenailles
Plus d'ombres noires
Plus de craintes
Il n'y en a plus trace
Il n'y a plus à en avoir
Où était peine, est ouate
Où était éparpillement, est soudure
Où était infection, est sang nouveau
Où étaient les verrous est l'océan ouvert
L'océan porteur et la plénitude de toi
Intacte, comme un œuf d'ivoire.

J'ai lavé le visage de ton avenir.


Henri Michaux
Tradução de J. C. P.

1 de julho de 2008

Bela réplica

De uma carta de R. B. ao jovem H. G., que lhe acusara de assédio, sobretudo de ter supostamente pretendido trocar um prefácio por uma noite de amor:

“Eu não queria de forma alguma “minha língua em sua pele”, mas somente - ou de outro modo - "meus lábios em sua mão”. A nuança é literária (já que diz respeito à linguagem)? Mas eu vivo mesmo segundo a literatura, tento viver segundo as nuanças que me ensina a literatura.”

(Roland Barthes, em Fragments pour H., 1977, RB Œuvres Complètes, p. V-1006)