16 de fevereiro de 2009

Lustrar a palavra

O hoje esguio e depilado e sempre arredio e maledicente G. – que depois se revelaria M. e que, um pouco mais adiante, iria se revelar um tolo – disse-me não gostar de falar certas palavras por considerá-las excessivamente gays: – Evito até pronunciá-las, você não percebe como elas deformam o rosto? E seu rosto justamente se iluminava de uma careta de lascívia e dor que deixava, a despeito do recato histericamente alardeado, entrever um prazer compulsivo em simplesmente pensar nas palavras proibidas.

Minha primeira reação, depois de tossir para ganhar tempo e de cruzar um pouco mais os braços para conter meu interesse crescente por esse sintomão que se apresentava diante de mim como uma dessas plantas carnívoras de desenho animado, cuja exuberância dentada de más intenções e de lábios e recônditos escandalosamente vermelhos faz pender de cada pestilo contorcido uma gosma delatora, foi: – Sério?

Seríssimo! – sibilou G. visivelmente indisposto com a minha resposta – Eu não me atreveria, por exemplo, dizer que estou CHO-CA-DO...

Na hora, pego de surpresa, convulsionei o esgar daqueles que imploram de joelhos que se mude de assunto e argumentei que não via nada demais na palavra “chocado”, que essa palavra em si não me parecia especificamente gay, blá-blá-blá.

Pobre G.! Nessa ocasião P. C. Naje nunca me pareceu tão preciso: “Um vício: cera tão eficaz quanto supérflua que torna as palavras sempre lustrosas independentemente das mãos que as lustram”.

Um comentário:

José Carlos Brandão disse...

Palavras, palavras. Mas as relações humanas é que são elas.
Um abraço.