26 de fevereiro de 2009

Da série "Ensaios para montar" [4]

Os dois passos

Chegou-lhe aquele ímpeto de onde vem o poema, mas as palavras não se fixavam. Havia pensamento, mas não havia palavra. O silêncio preside muitos desses momentos – era só o que não parava de pensar. E quando pensou com essas palavras, soube à procura do que estava.

O primeiro passo seria fixar o pensamento, fazer com que da substância delicada das possibilidades brotasse uma metade de metade de concha trazida pelo mar, talhada na extremidade, róseo osso rendado de limo. Ou um caco de garrafa em que um dia se colocou uma mensagem que foi encontrada. Ou um fio de seda tingido de lilás, enrolado em um fio não tingido.

O segundo passo seria erguer o olhar, inflamar-se, capitular e escrever. E caso daí não saísse palavra, que saísse ao menos um pensamento que respondesse à gravidade da palavra.

Isso porque, por puro azar e contra todas as expectativas, a forma do poema jamais é dada de antemão.


J. C. P.
agosto de 2008/ fevereiro de 2009

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