5 de março de 2009

Duas canções de Auden

W. H. Auden (1907-1973)


Este díptico de Auden, que está certamente entre seus poemas mais “fáceis” e mais tocantes, reúne dois poemas compostos no final da década de 1930 para a cantora e atriz Hedli Anderson (1907-1990).

A música caudalosa da poesia de Auden não sei deixa facilmente traduzir. A golpes poundianos de simplificações grosseiras, inversões duvidosas, intromissões indevidas, em suma, de muita gambiarra e vista grossa, pode-se chegar a algum resultado, ainda que prolixo e aproximativo. Com todas as desculpas, remorsos e adaptações necessários, ei-lo:




DUAS CANÇÕES PARA HEDLI ANDERSON


I

Cortem o telefone, os relógios parem todos,
Impeçam de ladrar o cão com um suculento osso,
Silenciem os pianos e com tambor abafado
Tragam o caixão, deem passagem aos enlutados.

Deixem aviões a circular, lamentando no alto
Compondo no céu a mensagem: Ele está morto.
Coloquem nos pescoços brancos das pombas tiras de crepom,
E que os guardas de trânsito vistam luvas pretas de algodão.

Ele foi meu Norte, meu Sul, meu Leste e Oeste.
Meu descanso de Domingo e minha semana de trabalho,
Meu meio-dia, minha meia-noite, meu papo, minha prece;
Pensei que esse amor duraria para sempre: Eu estava errado.

Das estrelas agora não preciso: eliminem cada uma;
Desmantelem o sol e empacotem a lua;
Entornem o oceano e a floresta arrasem;
Agora jamais, para nada, me aprazem.


II

Ah, o vale onde no verão eu e meu único amado,
Margeando o rio profundo, andávamos lado a lado,
Enquanto flores aos nossos pés e no alto passarinhos
Discorriam suavemente sobre amor correspondido;
Recostei-me em seu ombro; “Meu amado, comemora...”:
Mas ele franziu o cenho de trovão e foi-se embora.

Aquela sexta perto do Natal na memória permanece,
Quando fomos à matinê do Baile Beneficente,
O chão era tão brilhante e o som da banda estrondoso
E meu amado tão belo que me senti orgulhoso;
“Abraça-me forte, querido, dancemos até a aurora”:
Mas ele franziu o cenho de trovão e foi-se embora.

Como poderei esquecer aquela ópera soberba,
Quando a música jorrava de cada rica estrela?
Diamantes e pérolas reluziam dependurados
Sobre cada traje de seda dourado ou prateado;
“Ah, querido, estou nas nuvens,” sussurrei na hora:
Mas ele franziu o cenho de trovão e foi-se embora.

Ah, mas ele era gracioso como um jardim florido
Como a grande Torre Eiffel era alto e esguio,
Quando a valsa ecoou naquele longo caminho
calaram em meu coração seus olhos e seu sorriso;
“Casa-te comigo, quero amá-lo e servir-te sem demora”:
Mas ele franziu o cenho de trovão e foi-se embora.

Ah, noite passada sonhei contigo, amado algoz,
Tinhas em uma mão a lua e na outra o sol,
O mar era azul e verde era a relva
Um tamborim afinado era cada estrela;
Dez mil milhas no fundo do abismo estou agora:
Mas franziste o cenho de trovão e foste embora.




TWO SONGS FOR HEDLI ANDERSON


I

Stop all the clocks, cut off the telephone,
Prevent the dog from barking with a juicy bone,
Silence the pianos and with muffled drum
Bring out the coffin, let the mourners come.

Let aeroplanes circle moaning overhead
Scribbling on the sky the message He Is Dead,
Put crêpe bows round the white necks of the public doves,
Let the traffic policemen wear black cotton gloves.

He was my North, my South, my East and West,
My working week and my Sunday rest,
My noon, my midnight, my talk, my song;
I thought that love would last for ever: I was wrong.

The stars are not wanted now: put out every one;
Pack up the moon and dismantle the sun;
Pour away the ocean and sweep up the wood.
For nothing now can ever come to any good.


II

O the valley in the summer where I and my John
Beside the deep river would walk on and on
While the flowers at our feet and the birds up above
Argued so sweetly on reciprocal love,
And I leaned on his shoulder; 'O Johnny, let's play':
But he frowned like thunder and he went away.

O that Friday near Christmas as I well recall
When we went to the Charity Matinee Ball,
The floor was so smooth and the band was so loud
And Johnny so handsome I felt so proud;
'Squeeze me tighter, dear Johnny, let's dance till it's day':
But he frowned like thunder and he went away.

Shall I ever forget at the Grand Opera
When music poured out of each wonderful star?
Diamonds and pearls they hung dazzling down
Over each silver and golden silk gown;
'O John I'm in heaven,' I whispered to say:
But he frowned like thunder and he went away.

O but he was fair as a garden in flower,
As slender and tall as the great Eiffel Tower,
When the waltz throbbed out on the long promenade
O his eyes and his smile they went straight to my heart;
'O marry me, Johnny, I'll love and obey':
But he frowned like thunder and he went away.

O last night I dreamed of you, Johnny, my lover,
You'd the sun on one arm and the moon on the other,
The sea it was blue and the grass it was green,
Every star rattled a round tambourine;
Ten thousand miles deep in a pit there I lay:
But you frowned like thunder and you went away.


W. H. Auden, em Tell me the truth about love (Vintage Books, 1994)
Trad. J. C. P.

3 comentários:

Paulo de Toledo disse...

jean, bem legal esse poema.
gostei muito da tradução.
tb tô brincando de traduzir umas coisinhas, assim, meio à toa, sem compromisso.

ói esse:


Death

NOR dread nor hope attend
A dying animal;
A man awaits his end
Dreading and hoping all;
Many times he died,
Many times rose again.
A great man in his pride
Confronting murderous men
Casts derision upon
Supersession of breath;
He knows death to the bone --
Man has created death.

William Butler Yeats



Morte

Nem esperança nem temor
Acompanham o animal morto;
Aguarda seu fim um homem,
Tudo esperando e temendo;
Muitas vezes ele morreu,
Muitas vezes ele se ergueu.
Um grande homem, altivo,
Enfrentando os assassinos
Lança seu escárnio aos
intervalos da respiração;
Ele entende de morte até os ossos —
O Homem, criador da morte.



abração,

paulo

Jean Cristtus Portela disse...

Oi, Paulo!
Gostei das suas soluções, que são, de longe, superiores ao tom que o Paulo Vizioli adota em certos poemas de Yeats que ele traduziu entre nós.
É uma pena perder o belo fechamento do poema em breath/death/death, mas sei como é difícil resolver esse tipo de impasse.
Como você sabe, para salvar o som, eu não hesito em meter aqui e ali um discreto caquinho.
O que acha de procurar uma nova solução sonora para breath/death/death?
Quanto mais desbundada a solução, mais prazer terei em vê-la publicada no Poesia e outras bobagens ou de publicá-la em Tal a fuga... Topa?
Grande abraço,
Jean

Anônimo disse...

tá topado!

abbracci,

paulo