A poesia de Michaux tem o retrogosto de um koan nada aveludado... É como o retorno de J., o outro J., que ressurgiu nos comentários do meu último post e me trouxe a lembrança de uma aventura zen, no mais preciso sentido do termo: uma aventura que não começou justamente porque não poderia terminar.
NOITE DE BODAS
Se, no dia de suas bodas, ao chegar em casa, você colocar sua mulher de molho, à noite, em um poço, ela ficará estupefata. Apesar de sempre ter tido uma vaga inquietação...
“Pronto, pronto, dirá a si mesma, então é isso, o casamento. Por isso é que se mantinha sua prática assim tão secreta. Eu me deixei levar por essa conversa”.
Todavia, por estar constrangida, ela nada dirá. Eis porque você poderá mergulhá-la no poço longamente e diversas vezes, sem causar escândalo algum na vizinhança.
Se ela não entendeu da primeira vez, tem poucas chances de compreender posteriormente e você terá muitas chances de continuar a fazê-lo sem grandes incidentes (salvo a bronquite), se é que isso lhe interessa.
Quanto a mim, que sinto mais a dor do corpo do outro do que a do meu próprio, tive que renunciar a essa prática rapidamente.
Henri Michaux, em La nuit remue (Gallimard, 1967, p. 32)
Tradução de J. C. P.
NOITE DE BODAS
Se, no dia de suas bodas, ao chegar em casa, você colocar sua mulher de molho, à noite, em um poço, ela ficará estupefata. Apesar de sempre ter tido uma vaga inquietação...
“Pronto, pronto, dirá a si mesma, então é isso, o casamento. Por isso é que se mantinha sua prática assim tão secreta. Eu me deixei levar por essa conversa”.
Todavia, por estar constrangida, ela nada dirá. Eis porque você poderá mergulhá-la no poço longamente e diversas vezes, sem causar escândalo algum na vizinhança.
Se ela não entendeu da primeira vez, tem poucas chances de compreender posteriormente e você terá muitas chances de continuar a fazê-lo sem grandes incidentes (salvo a bronquite), se é que isso lhe interessa.
Quanto a mim, que sinto mais a dor do corpo do outro do que a do meu próprio, tive que renunciar a essa prática rapidamente.
Henri Michaux, em La nuit remue (Gallimard, 1967, p. 32)
Tradução de J. C. P.