1 de julho de 2009

Os analectos de Jean-Lúcio [2]

O Mestre perguntava sempre sem muito ânimo, com a falta de ênfase que lhe era tão impossível quanto própria: de que são feitos os desertores?

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Pin amava a língua dos nobres, mas a exercitava sem domínio ou paixão. Mêncio denunciava o contrassenso em alta voz: “alguém que pensa ser traído pelo dialeto da sua terra natal jamais forjará um estilo”.

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“Um homem de princípios nada pode nos dizer sobre a dignidade”, bradava com frequência Kon. No que o Mestre se limitava a retorquir: “o velho Kon não se engana quando busca a dignidade e nada é menos digno do que isso”.

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Sabendo que naquela tarde encontraria o amado discípulo, Jean-Lúcio estirou o pano cinza e espesso no qual fazia tombar as varetas escuras do Grande Livro e – antes de soltá-las em desordem no tecido impecavelmente alinhado – dirigiu-se a seu círculo em versos lacônicos:

A túnica com que cingiram
Meus ombros é a lição pura
Da compaixão súbita –
Cálida veste cujo perfume
Conduz-me ao Caminho!

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O jovem Lao, escrivão real que praticava a arte da caligrafia e da gramática como poucos, procurou o Mestre para saber o que seria de sua posição quando a Casa de Tzi deixasse de ser a única escola a oferecer homens doutos ao imperador. Disse Jean-Lúcio: “a arte da escrita nada tem a ver com os sábios métodos de Tzi ou com o Grande Imperador e sobreviverá a ambos”.

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